Um dia minha mãe quis tentar entender um pouco do meu mundo. Na época eu estava realizando um investimento relativamente grande (pelo menos para minha condição financeira da época), montando uma “fazenda de mineração” e fui tentar explicar o que era Blockchain e criptomoedas para ela. Perceba que minha mãe é uma senhora de cinquenta e poucos anos, que não endente quase nada de tecnologia e tem uma séria resistência, chegando ao ponto de pedir ajuda para ligar a impressora.
Frequentemente faço uso de analogias para tentar simplificar o entendimento, uma pratica que adquiri dando curso de programação básica mais de 10 anos atrás, então a minha explicação foi mais ou menos assim:
Primeira coisa (e uma das mais importantes): Blockchain não é Bitcoin, é mais complexo que isso, ok?
Vamos comparar o universo cripto com nosso sistema financeiro atual, que todo mundo entende. No Brasil temos vários bancos, onde você pode abrir uma conta e movimentar seu dinheiro. Para isso você é obrigado a ir até uma agência ou abrir um app, preencher um formulário gigante, e, depois de algumas horas ou até mesmo dias, o banco te manda uma mensagem informando se você pode ou não abrir a conta. No mundo cripto temos a mesma coisa, são as chamadas Wallets ou carteiras. A diferença é que você faz tudo em alguns segundos e ninguém vai tentar te empurrar um seguro de vida para abrir a conta.
Nos bancos, para transferir dinheiro você precisa saber Agência e Conta, ou, com o PIX, você precisa cadastrar seu celular, email ou CPF, etc. No mundo cripto você utiliza a sua chave pública. Existem dezenas de apps, extensões e dispositivos para isso, então não é preciso decorar o número, normalmente se usa um QR-Code, igual o Pix ou Picpay.
Os bancos possuem todos os registros de TED, DOC, PIX, etc. e tem a capacidade de enviar e receber dinheiro de outras instituições financeiras, até mesmo internacionais, por meio do SWIFT, e eles precisam garantir que nenhuma transferência ocorra de forma duplicada ou que o dinheiro seja roubado. No mundo cripto damos o nome de Blockchain ao processo eletrônico de armazenar os dados de transações de forma segura, sem uma entidade centralizadora (como os bancos) para validar.
Nos bancos quem realiza o processo de validação das transações e controle dos saldos são os sistemas e computadores do banco, desenvolvidos e mantidos em total sigilo, totalmente centralizados. Quando o sistema de um banco cai, todos os serviços como site, app, banco 24h, etc. param de funcionar. No mundo cripto quem valida as transações são os chamados Nodes, que são computadores espalhados no mundo todo, que criam uma copia dos registros de transação localmente e recebem e enviam novos registros, em uma rede descentralizada e auto gerenciada. Portanto, caso um Node caia, a rede permanece integra: são mais de 10 anos sem interrupções, 24h por dia, 7 dias por semana.
Ok, mas o que garante que os dados da rede não podem ser fraudados? Nos bancos nosso dinheiro está “seguro”. Quando há uma invasão, e isso ocorre com certa frequência, o banco arca com o prejuízo e, na grande maioria das vezes, os clientes nem ficam sabendo que foram vítimas. Por isso todo banco possui um seguro de parte do dinheiro, é o risco da operação de custódia. No mundo cripto, matemáticos e criptógrafos do mais alto gabarito desenvolveram durante décadas técnicas para transmitir informações de formas seguras. Essas técnicas são utilizadas em todo o processo, da carteira à validação e ao registro na Blockchain. Tecnologias como RSA, criada por Ron Rivest, Adi Shamir e Leonard Adleman, SHA256, da Agência de Segurança Nacional dos EUA, e AES, criada pelos criptógrafos belgas Vincent Rijmen e Joan Daemen, entre muitas outras fazem parte desse ecossistema complexo. Não que os bancos não utilizem as mesmas tecnologias do mundo cripto, a diferença mais gritante, no meu ponto de vista, é que o ecossistema cripto é tão bom, seguro e inovador que todos os códigos do Bitcoin, e de várias outras moedas, são open source (código aberto). Milhares de programadores do mundo todo auditam, colaboram e atualizam esses códigos. Entrando no Github oficial do Bitcoin podemos ver que atualmente o projeto conta com mais de 800 colaboradores diretos, uma base de 60mil entusiastas seguem o projeto, e foram feitas mais de 30mil copias do código. O processo de validação das transações por meio de resolução de problemas criptográficos na rede tem o nome de Proof of Work (PoW) ou “Mineração”. Existem outros modelos de validação, como o Proof of Stack (PoS), mas entrar nessa conversa agora não vale apena kkk.
Tá, mas o que é o Bitcoin, então?
O Bitcoin é a moeda circulante desse ecossistema que envolve Wallet, Nodes, validações e Blockchain. Originalmente ela surgiu para ser uma recompensa a todos que disponibilizaram seus computadores para validar as transações na rede. O Bitcoin em si é apenas um registro de um saldo em uma carteira dentro da Blockchain, não é um arquivo ou ativo físico. Esse registro se origina no processo de mineração e a rede possui mecanismos para transferir sua propriedade de forma segura e sem gerar duplicações. Para transferir um Bitcoin você precisa enviar para rede uma “ordem”, informando a carteira de origem, a carteira de recebimento, o valor e uma assinatura digital, provando que você realmente tem autorização para mover os fundos daquela carteira. A rede, ao receber este pedido, o coloca em uma fila e, a cada 10 minutos, cria um bloco de transações a ser analisado. O “minerador” que consegue realizar a validação desse bloco recebe a recompensa. Os Nodes têm o trabalho de verificar a resolução do bloco e consolidá-lo na corrente, por isso o nome Blockchain (Block = Bloco, Chain = Corrente): uma corrente sequencial de blocos, onde o bloco anterior se conecta ao próximo.
E por que existem tantas outras moedas, como Ethereum, XRP, etc.? Como surgem essas moedas? Simples: você vai até o github do Bitcoin, Ethereum ou qualquer outra e copia o código, troca o nome e está criada a sua moeda. Ou, como é o caso de algumas outras moedas, pode ser gerado um código novo de Blockchain, Node, etc., etc., etc… É por isso que damos o nome de Altcoins a tudo que não seja Bitcoin e o nome Token às moedas derivadas de alguma Blockchain existente, como, por exemplo, o famoso Binance Coin (BNB), que nada mais é do que uma copia do Ethereum, só que os Nodes são centralizados em computadores da própria Binance. Outros exemplos são a rede Ronin, do Axie Infinity (AXS, SLP), a rede Polygon (Matic) e a Immutable X (IMX). Às redes que derivam de uma existente damos o nome de Sidechain e todos os softwares e serviços derivados da rede principal são chamados de Layer 2. Abaixo, um raio-x do ecossistema Ethereum:
Bom, eu acho que por enquanto é informação o bastante para digerir, mas espero ter ajudado a melhorar seu entendimento do que são as tão famosas criptomoedas. Aos experts do mercado, desculpem a licença poética ao tentar simplificar o assunto, mas acredito que este tipo de conteúdo se popularizando cada vez mais colabora para o crescimento do ecossistema.