Um tema que vem surgindo com certa recorrência e “sonho de consumo” dos empresários “Web2”, que têm tentando adaptar a usabilidade validada pelo mercado tradicional de varejo e e-commerce, vamos falar mais a fundo sobre UX, os problemas técnicos dessa linha de raciocínio e entender que o assunto é mais complexo do que parece.

Ideia

Primeiro, gostaria de deixar muito claro que respeito a ideia, acho válida para proporcionar o acesso ao universo cripto de usuários que não possuem conhecimento aprofundado do tema e apenas buscam formas alternativas de investimento e proteção de carteiras. Por se tratar de um mercado extremamente técnico, a usabilidade de fato não é das mais simples, eu mesmo tive certa dificuldade de entender certos fluxos e o porquê das coisas.

Custódia

A premissa mais básica do mercado cripto é a custodia dos ativos, por isso a tecnologia para criação de carteiras existe de forma 100% independente da rede ou Blockchain. São padrões de criptografia de chave assimétrica e hash de alta segurança, com o único objetivo de tornar o mais seguro possível a custódia, sem a necessidade de um terceiro, como no caso de bancos para moeda FIAT. Entretanto, uma parcela considerável do mercado prefere delegar a responsabilidade da custódia para um terceiro, seja uma Exchanges ou algum App gerador de carteira. Eu particularmente prefiro usar Hardware Wallet ou Softwares Offline, mas obviamente eu sou uma exceção.

Os riscos envolvidos em terceirizar a custódia são vários, desde o bloqueio de transferências até a perda total dos ativos, em caso do desaparecimento do serviço que provém essa custódia e isso ocorre com certa frequência no mundo cripto, infelizmente.

Liquidez

Quando estamos falando em possibilitar a compra e saque de criptoativos por meios convencionais como PIX, cartões de credito, etc., existem alguns cenários possíveis: a empresa prestadora de serviço precisaria ou ter um parceiro intermediando esse gateway ou ser o próprio operador.

No primeiro caso, uma empresa terceira forneceria as APIs necessárias para integração com os meios de pagamento, cobrando uma taxa pela operação, essa taxa pode variar bastante dependendo do método de pagamento e se haverá ou não parcelamento. Outro fator importante a ser entendido nesse processo é que normalmente empresas de gateway cobram um valor de seguro ou a própria empresa precisa ter uma seguradora para casos de fraude.

Mas, para resumir, mesmo operando em plataforma própria, para utilizar TED, DOC, boleto e PIX, a empresa precisa seguir as regulações legais brasileiras para esse tipo de operação, ter empresa registrada no Brasil, pagar impostos e emitir nota, mesmo que seja de intermediação bancária.

O outro caso possível seria a empresa possuir criptoativos e receber em conta o valor da prestação de serviço de custódia, via offshore ou BVI, onde a necessidade de pagamento de impostos ou notas fiscais não se aplica. Ainda assim, essa empresa precisa ser vinculada a um banco brasileiro para receber esses valores e possivelmente converter em moeda nacional do país de origem, cobrando taxas absurdas de conversão em moeda estrangeira.

Em todos os casos, de uma forma ou de outra, existem uma série de questões regulatórias na operação.

KYC

Empresas que seguem a regulação brasileira para serviços de cripto precisam ter o processo de identificação KYC implementado, em que uma série de documentos e fotos do usuário são solicitados para validar a conta antes de iniciar qualquer tipo de trâmite (trade, saque, etc.), por se tratar de uma exigência do governo brasileiro. Essa etapa já dificulta muito a adesão de usuários convencionais, devido à grande burocracia envolvida no processo, toda documentação passa por analise e os valores liberados para uma verificação simples são irrisórios.

Outro aspecto desse tipo de processo envolve validações extras em caso de transferências e saques de grandes quantidades de fundos, logo, grandes investidores ou até mesmo pessoas que tenham intenção de converter uma quantidade razoável de moeda FIAT em cripto precisarão ficar alguns dias imersos em grande quantidade de papelada, para “provar” que a origem dos fundos é lícita.

Motivo esse, no meu ponto de vista, para a adesão às Exchanges estrangeiras ser muito maior do que às nacionais.

Código de defesa do consumidor

Outro problema “Hue BR” é a necessidade de enquadrar serviços de cripto no CDC. Sendo assim, a retirada de fundos fica travada por 7 dias após o deposito, visto o direito de arrependimento, e até mesmo o trade desse valor pode ser bloqueado por esse período caso a operadora considere um risco a liberação do saldo. Esse tema foi comentado no post fixado abaixo:

E o que tudo isso tem a ver com UX?

Em um cenário em que temos a possibilidade de simplificar a interação de usuários comuns com o universo cripto, precisamos adaptar tecnologias já existentes e conhecidas do público em geral, abstraindo talvez a custódia das carteiras, assim como normalmente as Exchanges fazem, e simplificando a compra e venda de ativos e saques por meio de métodos já conhecidos, como PIX. Portanto, todos os pontos acima fazem parte do contexto.

Particularmente, acredito ser um grande desafio criar algo que simplifique esse processo e, ao mesmo tempo, seja coerente com todas as regulamentações brasileiras, ainda provendo segurança equiparável às integrações diretas em uma Blockchain. Para isso ser possível, as operações do serviço precisam ser consolidadas em uma Blockchain.

Nesse caso, temos 2 caminhos: o primeiro, embora improvável, é utilizar uma Mainnet com taxas baixas para registro dos ativos e transações, possivelmente com uso de Smart Contracts. Mas, como venho sempre falando, os contratos não são tão inteligentes assim, já que precisam de programadores para ser desenvolvidos e nem sempre vão de fato ser bem feitos e pagar empresas de auditoria e segurança custa uma pequena fortuna. Logo, essa solução é financeiramente inviável para pequenas iniciativas.

O segundo caminho possível seria a criação de uma Sidechain. Nesse caso, os fatores infraestrutura e segurança ficam ainda mais críticos, já que a empresa vai precisar configurar, gerenciar e monitorar toda a rede, assumindo o risco de, quem sabe, ser hackeada e perder todos os ativos, como foi o caso do Axie Infinity e sua rede Ronin.

Obviamente, esse tipo de ferramenta uma hora será criada, matando um leão por dia para resolver todos os problemas técnicos, segurança, UX, burocracia. Quando? Não sabemos.