Hoje eu vou responder algumas perguntas que o pessoal do EiCripto.com me mandou, falando sobre a Web3.
Qual a sua visão sobre os impactos da Web3 na forma de uma pessoa comum usar a internet?
Eu acho que a gente tem que entender que a Web3 não é só criptomoeda. No meu entendimento, a Web3 é uma coisa muito maior, a gente está falando da descentralização da internet, de serviços, de apps. Uma parte dela utiliza blockchain e o ecossistema de validadores, mas também têm aplicações que não necessariamente utilizam blockchain, como é o caso do IPFS, que é um serviço de CDN descentralizado, e outros projetos que não necessariamente estão relacionadas aos criptoativos. Entendendo Web3 como uma descentralização da rede, eu acredito que vai ser positivo por não ter o controle de nenhum Estado. A gente vê que a maior parte do uso da internet está sendo feito por Big Techs: Google, Facebook, Instagram. Hoje você acessa muito mais internet pelo celular, por meio dos aplicativos, do que propriamente acessando por um navegador. Essas Big Techs também tem tomado conta da parte de cloud servers, a Amazon com a AWS, a Microsoft com a Azure, e soluções de data centers descentralizados é uma coisa que eu espero que venha a acontecer. E o que é que a gente ganha com uma internet descentralizada? Quando o Tim Berners-Lee criou a internet, o conceito era que qualquer pessoa no mundo poderia ser um servidor e os softwares que estão sendo desenvolvidos em cima do conceito de Web3 são justamente para que qualquer pessoa possa fazer parte dessa rede, não necessariamente hospedado um site inteiro, mas hospedando um arquivo, ou sendo um node de validação. Na prática, essa descentralização fica abstrata para o usuário final, mas quem trabalha em cima desse ecossistema vai ter a segurança de que nenhum governo vai chegar e desligar o seu site. E eu acredito que também vão começar a surgir alternativas de mensageria e de redes sociais descentralizadas. Hoje, se você utiliza o Twitter, um Ministro do Supremo pode ir lá e mandar tirar do ar o seu Twitter, porque ele considerou que é fake news. Se você tiver um serviço descentralizado, não existe essa possibilidade, não tem como simplesmente um juiz chegar lá e mandar tirar o acesso, talvez pudessem tirar o domínio .com.br do ar, mas ainda teriam outras formas de conseguir acessar esse site. Acredito que no futuro tenha algum tipo de DNS para soluções descentralizadas, que não pode ser bloqueado por nenhuma entidade. Acredito que ainda vai demorar um tempo para isso acontecer, não vai ser agora, é um processo longo, mas pro usuário comum vai ficar praticamente transparente, ele não vai perceber diferença de estar navegando na Web3 ou na Web que a gente tem hoje. Tudo está caminhando para ser cada vez mais simples, mais próximo do que o que a gente já tem atualmente.
A Web3 é claramente o próximo e justo passo evolucionário da internet, porém essa evolução não será viável para várias Big Techs. Como você enxerga esse impasse? Acredita que terão soluções para esse conflito de interesses?
Não. As Big Techs sobrevivem de informação e, a partir do momento que você descentraliza um serviço, essa informação não fica mais em posse de quem fez aquele sistema. Tem muita gente vendendo essa falácia, falando que está descentralizando serviços, que está usando blockchain, mas, como eu venho falando nos meus vídeos, blockchain não é sinônimo de descentralização. Então eu acredito que as Big Techs podem caminhar para Web3, mas com aplicações centralizadas, com blockchains e Criptos próprias, porque se perderam o controle dos usuários, eles não têm como ganhar dinheiro. Quando o Facebook cria a Meta, o que ele que passar é que “o metaverso de verdade é o meu metaverso”. E aí a gente vê outras soluções que são de fato descentralizadas, utilizando algum ecossistema já existente, baseada numa Solana, num Ethereum, que são muito mais “metaversus” do que uma solução que venha de uma Big Tech. Acredito que o metaverso que realmente vai ter engajamento das pessoas não vai partir de uma instituição dessas. Esse conflito de interesses sempre vai acontecer, eu até fiz um post falando sobre o fim do retargeting e o início do metaverso.
Fim do Retargeting, rumo ao Metaverso
Para mim, o Facebook criar um metaverso vai ao encontro do fim dos sistemas de adds atuais, porque as Big Techs estão sendo pressionadas, cada vez mais, a não utilizar algoritmos para montar pesquisas baseadas nos dados coletados dos usuários. O metaverso seria uma “zona cinzenta” nas legislações mundiais, porque até para onde você olha no metaverso dá informação para essas empresas, do que você gosta, do que você assiste e tal. O Facebook não é “bonzinho”, ele vai procurar alternativas para sua subsistência, que é baseada em propagandas. Como é que isso vai evoluir, eu não tenho a mínima ideia, mas eu não consigo ver essas empresas se adaptando ao universo Cripto, porque, além de muita pressão, as Big Techs recebem muitos incentivos do governo também. Por isso que a gente viu o Elon Musk falando que ia liberar a compra de Tesla com Bitcoin e, depois, cancelando. Ele tem contratos com a Nasa, tem contratos de incentivo, então acaba que ele sofre pressão. Se o governo não é muito favorável às Criptos ou quer ter controle de tudo, ele vai tentar controlar essas empresas também, para não entrarem nesse mundo de Web3. E aí vão vender para o público em geral uma mentira de descentralização que, na prática, não tem nada de descentralizado, é só uma blockchain centralizada, assim como tem vários projetos aqui no Brasil que estão fazendo isso, vendendo a imagem de descentralização, mas que de descentralizados não tem nada.
A curva de aprendizado para migrar um usuário “padrão” da Web atual para a Web3 é grande e um dos 4 maiores empecilhos dessa tecnologia! Quais soluções (se você tiver em mente) você consegue imaginar, para acelerar essa migração?
Falando como alguém que mexe diretamente com a parte de implementação de smart contracts e soluções Web3, o maior problema hoje ainda é que as tecnologias não tiveram uma consolidação. A gente tem uma série de networks, com wallets diferentes, sistemas diferentes. Isso, pro usuário final, é um pouco confuso. Seria legal se a gente conseguisse chegar num sistema que, através de um único software, pudesse interagir com várias redes. Eu acredito que o sucesso das Exchanges vem disso, um software único em que consegue fazer praticamente tudo. Por mais que isso não seja o recomendado, eu acredito que o cidadão comum vá optar por terceirizar essa custódia, assim como é feito no caso dos bancos e quem vai acabar assumindo essa responsabilidade são as Exchanges. É um percentual muito pequeno dos usuários de Cripto que realmente tem sua própria cold wallet, o ser humano tem muito desse problema de UX [User Experience], ele quer terceirizar a responsabilidade porque, se der algum problema, ele vai lá e processa a Exchange. Se a gente for falar da migração do usuário atual para Web3, eu entendo a dificuldade de UX que a Web3 tem, mas não vejo uma solução até que de fato as criptomoedas comecem a se estabilizar e isso precisa de tempo. A gente não sabe quais criptomoedas vão estar vivas em 10 anos, para mim a única que vai estar viva daqui a 10 anos é o Bitcoin. Mas dá para fazer tudo dentro do Bitcoin? Não, porque o Bitcoin tem uma série de “limitações” se comparado a Ethereum, que tem os smart contracts, por exemplo. Mas eu não sei se a Ethereum vai estar viva daqui a 10 anos, até essa migração que está planejada para setembro da Ethereum, o “The Merge”, eu tenho meus contras. A gente vai precisar esperar que o cenário se estabilize mais para ter uma noção de quais Criptos vão sobreviver e, aí sim, tentar procurar uma solução mais transparente para o usuário em questão de UX. Na prática, quando eu vou conversar com qualquer pessoa sobre Cripto, eu uso o Pix como exemplo de uma solução que está “treinando” os usuários, então acho que vai ser alguma coisa nesse sentido, de ter um sistema parecidos com o Pix. E, obviamente, como qualquer coisa nova, a gente vai passar por um período de informação, esse foi o maior motivo de eu criar o meu canal e o blog, porque eu acho que a gente ainda está bem no comecinho dessa história. Tem muito chão pela frente, a tecnologia tem que se consolidar mais e eu não acredito que a gente vá ver isso nos próximos anos, vai demorar mais uns 10 a 20 anos até a gente conseguir ter uma estrutura sólida com relação às criptomoedas e aos criptoativos no geral. Ainda tem muita coisa para acontecer.
Quais os dois maiores benefícios da Web3 que você diria para “encantar” uma pessoa que não conhece o tema?
O primeiro e fundamental conceito que me atraiu na Web3, é o Bitcoin, principalmente quando você vai ler o conceito originário do Bitcoin, de não ter nenhum intermediário, de ser uma moeda mundial, que não é controlada por um governo, que ninguém pode te tirar. Isso, eu acho, é o que me chamou atenção para esse universo. O Bitcoin, para mim, é uma das maiores revoluções que a gente teve nos últimos 20 anos. Tecnicamente ele é muito bom, há um código muito bem feito, uma gama de conhecimentos reunidos, é uma façanha da engenharia. Mas principalmente o conceito de liberdade que isso traz, porque a população não entende que o dinheiro no banco não é dela, aquele dinheiro pertence ao banco e o banco tem uma dívida com a pessoa e ele controla isso. No Bitcoin e nas criptomoedas, de uma maneira geral, não tem isso: não tem ninguém que vá te importunar, não tem ninguém que vá te falar que você não pode transferir o valor, você pode transferir a qualquer dia, qualquer hora e ninguém vai te perturbar, ninguém vai te perguntar nada, e isso é maravilhoso.
A segunda coisa que eu gosto muito nesse conceito, parece um pouco “anarcocapitalista” esse negócio, mas eu não gosto de interferência Estatal direta nada. Eu não sei por que o governo quer entrar no meio das discussões sendo que ele não tem conhecimento para tanto. Então, quando eu vejo que a internet se popularizou num nível em que Ministros do Supremo estão tomando decisões arbitrárias, isso me preocupa muito, a politização da internet e esse movimento que a internet está tomando, de ter órgãos reguladores, é um negócio absurdo. A descentralização da internet me chama bastante atenção, no sentido de ter sistemas e plataformas 100% descentralizados e que nenhum governo no mundo vai poder bloquear o perfil de alguém ou mandar apagar uma postagem. Isso me dá esperança da internet voltar à sua essência dos anos 90, quando a gente tinha liberdade para poder trafegar nela sem ter nenhum tipo de interferência. Vai ter uma galera que pode questionar que vai virar uma terra sem lei, que tem criminalidade e não sei o que mais. Cara, nada que tenha na internet não existe no mundo físico, mesmo com o Estado lá, coibindo, criminalizando e não resolve do mesmo jeito, então não faz diferença. Agora, pegar uma coisa que foi criada para ser descentralizada e querer interferir diretamente no que está acontecendo ali dentro, foge do princípio básico do que é a internet, que nasceu para ser livre, não para ter controle de um Estado. Infelizmente a infraestrutura da internet cresceu de forma controlada. Hoje, se um juiz quiser tirar um site do ar, ele vai lá e determina a retirada. E aí a descentralização vai mais nesse conceito de liberdade plena da internet. E aí quem é libertário vai curtir essa ideia, eu não sei se eu me enquadro como libertário, mas eu gosto de ter o mínimo de interferência Estatal possível nas coisas, eu acho que os governos atrapalham mais do que ajudam de fato.
A blockchain, caso seja usada em sua essência, poderia dificultar a corrupção no mundo inteiro. Você acredita que, num futuro breve, ela poderá de fato se tornar uma arma contra tais atos? Qual é a sua opinião sobre o tema?
Eu brinco que a corrupção nasceu no mesmo dia que nasceu o dinheiro. Eu não acredito que isso vá acabar com a corrupção, acho que vai mudar a forma como os corruptos vão tramitar o dinheiro, eles vão se adaptar. Quem quer fazer merda, vai fazer merda, seja em Real, seja em dólar, seja em criptomoeda. A corrupção vai se adaptar, nada vai mudar, porque a corrupção envolve o relacionamento, o dinheiro no final é só o pagamento por uma benécia. Na prática, se o cara recebe em Cripto ou recebe em Real, não faz tanta diferença. Assim como tem muita coisa honesta sendo feito o universo Cripto, também vai ter muita gente lavando dinheiro e pagando propina via Cripto. Eu não eu não consigo ver Cripto como uma arma para poder dificultar a corrupção, honestamente. Cripto é uma forma de pagamento, é uma forma de não ter o controle Estatal. Mas o que vai ser feito com o uso dessa ferramenta? O mesmo que é feito hoje em dólar. Você vai poder comprar drogas, armas, pagar propina, não consigo ver nenhuma diferença. Até falam que criptomoedas são utilizadas pelo crime organizado e tal, e aí um amigo meu fala uma frase excelente: “quando você vai lá comprar maconha, você paga em Real ou você paga em Cripto?” Eu acredito que os grandes corruptos brasileiros, que precisam lavar bilhões de Reais, podem estar vendo em Cripto uma forma de lavar dinheiro, de fato. Eles poderiam fazer isso via BVI, offshores, tem várias formas para fazer isso. Com as Criptos talvez seja “mais fácil” fazer isso. Mas eu acho que a gente tem que analisar criptomoeda como tecnologia, o que ela pode proporcionar em longo prazo. Não tem como ter inflação de Bitcoin no mundo, não tem como “imprimir” mais Bitcoin. Mas eu não acredito que a Cripto vá dificultar a corrupção, não. Acho que o mundo vai continuar sendo o mundo, a gente precisa ser realista nesse ponto, sempre vai haver pessoas corretas, que vão trabalhar de forma correta, e sempre vai ter gente corrupta, indiferente de se é em Real, se é em Cripto ou se é em dólar, não importa.
Em recente artigo publicado no portal, falei sobre a teoria do Ruchir Sharma. Tal teoria fala sobre o ciclo médio de 100 anos das moedas. Segundo Ruchis, o dólar está chegando ao seu fim de ciclo. Acredita que o Bitcoin tem a capacidade substituir o dólar no futuro? O que o Bitcoin precisará para conseguir esse feito?
Também acho que o dólar está chegando num fim de ciclo, está muito instável, os americanos estão começando a ver os reflexos de imprimir dólares em massa na pandemia, mas eu não acredito que o Bitcoin vá ser o sucessor do dólar porque atualmente a adesão ainda é pequena. Se a gente for comparar o tráfego financeiro em todas as redes de criptomoedas como os mercados tradicionais, você vai ver que ainda é bem pequena a quantidade de dinheiro que trafega dentro das Criptos. Ainda vai ter uma maturação aí, talvez o Bitcoin possa vir no próximo ciclo e, durante esse tempo, ele vai se popularizando. Acho que o Bitcoin é uma possibilidade no futuro, quanto mais adesão tiver, maior a possibilidade disso acontecer. Mas hoje ainda tem alguns problemas, a aceitação do Bitcoin é muito deficitária, você não consegue comprar um pãozinho na padaria com Bitcoin. Se você for a El Salvador você ainda consegue comprar, mas aqui não. O governo teve que obrigar a população a aceitar Bitcoin lá, eles fizeram uma Layer2 para poder fazer os trâmites como se fosse o Pix. Acho que a gente tem uma longa trajetória pela frente, não vai ser agora que o Bitcoin vai ascender e substituir o dólar. Se eu for dar um chute, e vai ter um monte de gente tacando pedra no que eu vou falar, mas talvez a moeda que faça certo sentido, seja a moeda da China, mas eu não vejo possibilidade real disso acontecer, porque, para ser uma moeda mundial, precisa ter a economia aberta e a China não tem. E por que eu acho que a moeda chinesa, o Yuan, seja uma moeda que substituiria o dólar? Por que o mundo inteiro depende da China. Na pandemia a China parou de mandar produtos pro mundo inteiro e a gente viu os impactos, de empresas e indústrias fechando. A China sabe o poder que tem, mas também sabe que não é tão simples assim fazer os países aceitaram essa moeda e como o Yuan só circula praticamente na China, não tem uma forma muito clara de você poder comprar, tanto que qualquer compra que você faça em Hong Kong, é tudo em dólar. E não sei se há interesse da China em ser a moeda mundial também, tem vários problemas no meio do caminho. Eu, hoje, acredito que o dólar ainda vai se manter por um tempo, não tem nenhuma moeda no mundo que seja uma substituta viável, alguns poderiam falar o Euro, eu não acredito, por vários problemas: a Europa está passando por vários problemas e é altamente vulnerável, então acredito que os Estados Unidos ainda vão continuar, aos trancos e barrancos, se sustentando. E, aí, vamos ver o que vai ser dos Estados Unidos nos próximos anos. Caso, no futuro próximo, a gente veja uma guerra civil nos Estados Unidos, ou uma guerra entre China e Estados Unidos, talvez a gente possa pensar no Bitcoin entrando no circuito, porque todo mundo vai procurar uma forma alternativa de tramitar dinheiro de forma independente de um Estado. Se você mantém todo seu capital em dólar e os Estados Unidos perdem a guerra… Entendeu? Mas esse cenário é muito nebuloso, a gente tem que esperar para ver e não sei nem se a gente vai estar vivo para ver.
Agradeço muito à galera do EiCripto por ter me mandado essas perguntas. Espero ter respondido todas as perguntas de formar aceitável. Esse post aqui também vai para o meu canal, para as minhas redes sociais e vai lá para o site dos caras, quanto estiver disponível, eu mando para todo mundo.
Link para a entrevista no EiCripto
Vídeo da entrevista: