Hoje a gente vai falar do The Merge, assunto que eu já venho abordando há algum tempo aqui e agora está se aproximando da data anunciada. Vamos tentar entender o que muda, quais são os impactos que quem é investidor ou entusiasta de Ethereum pode sofrer e o que eu acredito que está por vir.

Para quem está no mercado de cripto, seja como investidor, seja como minerador, já ouviu falar do The Merge de alguma forma. Ele faz parte de um grupo de atualizações previstas para o Ethereum que foram propostas há algum tempo, eu já escuto sobre essa atualização para o Ethereum 2.0, que é o nome original dado, desde 2020. Essas atualizações são feitas em etapas, são propostas feitas por membros da comunidade do Ethereum, algumas delas feitas pelo próprio Vitalik Buterin, que é o criador da rede. A principal feature do The Merge é a migração do Proof of Work [PoW] para o Proof of Stake [PoS], então nós vamos parar de minerar essas moedas com poder computacional que, hoje, é o utilizado por mineradores, utilizando placas de vídeo ou Asics, para poder fazer PoS que, como eu já falei em post anteriores, é como uma espécie de poupança, em que as carteiras que tiverem mais de 32 Ethereum é que vão prover esse node de validação da rede, em troca de um “lucro”. Qual é o principal argumento dessa proposta do Vitalik Buterin? Pelo que eu vi na internet e, inclusive, está no próprio site do The Merge, no Ethereum.org, é que ele tem uma preocupação com relação à emissão de carbono das mineradoras que utilizam energia baseada em carvão. Até 2020, a China era o principal foco de mineradores do mundo e lá é comum usar carvão para geração de energia.

Foi justamente nesse período, onde o Ethereum estava com um valor legal, com perspectiva de crescimento, que o poder computacional aumentou muito, principalmente quando começou a pandemia, porque as pessoas começaram a procurar formar alternativas de conseguir ganhar dinheiro, mesmo estando em casa, e a mineração é uma excelente forma de conseguir rentabilizar sem precisar ter um empreendimento ou qualquer coisa do tipo. Quem tinha dinheiro para poder fazer a aquisição dos equipamentos e, naquela época, eles ainda estavam num preço acessível, adquiriu suas placas de vídeo e colocou para mineração de Ethereum. Isso atraiu cada vez mais pessoas a montarem mineradoras, e a China tinha a maior concentração de mineradoras, utilizando energia vinda da queima de carvão para fazer essa mineração. Então o Vitalik jogou essa prosa que, na minha visão, é extremamente hipócrita, essa justificativa de emissão de carbono por causa do carvão das mineradoras chinesas.

A meu ver, existiu outro argumento muito mais plausível para essa alteração: quando a gente teve uma alta demanda na rede do Ethereum nos anos de 2020 e 2021, percebeu-se que a rede não estava preparada para esse boom de pessoas querendo utilizar o Ethereum, porque, como a precificação dos blocos é dinâmica de acordo com a quantidade de pessoas que estão utilizando, chegamos a ter taxas de transferência na casa dos 100 dólares, o que tornou a rede inviável. Naquele momento, quando houve esse boom de utilização da rede, muito impulsionado também pelo Axie Infinity, que foi responsável por uma grande quantidade de transações dentro da rede nesse período, nós vimos um aumento no custo de manutenção e do tempo para pode validar as transações. Fazia sentido começar a observar algumas sidechains, soluções de segunda camada, que permitiam aumentar a escalabilidade. Isso estava proposto no Ethereum 2.0, como resolver o problema de escalabilidade.

Existe um sério dilema dentro das blockchains da Web3, com relação à segurança, escalabilidade e descentralização. O Bitcoin, na sua essência, ainda se firma em seus dois pilares principais, segurança e descentralização, por isso que, até hoje, ele continua com PoW e, muito provavelmente, não vai mudar para nenhum outro tipo. Mas as redes que vieram depois do Bitcoin começaram a procurar soluções para se destacar de alguma forma, o Ethereum já tem grandes diferenciais, que são as EVMs e os Smart Contracts, mas outras empresas começaram a replicar a rede, a própria Polygon, a BNB, com custos mais baratos, então, obviamente, a Ethereum precisava se reinventar de alguma forma, para poder diminuir os custo e ter mais escala em sua rede, se não ela ia acabar perdendo pra Solana ou pra Polkadot. Nesse sentido, faria muito mais sentido a migração do PoW para o PoS, porque a gente tira o custo operacional de energia elétrica da mineração e coloca num sistema que tem uma custo energético zero.

Qual é a minha crítica ao PoS? Nós estamos falando de tirar um sistema que realmente é descentralizado, que foi modelado para ser dessa forma. O custo energético que é aplicado aos dispositivos de mineração é intencional, o cálculo que foi colocado para ser processado, a criptografia que foi colocada para poder forçar esses hardwares a gastar mais energia, foi intencional. É possível você criar uma blockchain com um algoritmo simples de validação que não vai gastar tanta energia assim, que não vá precisar de tantas placas de vídeo, só que o Satoshi Nakamoto, quando criou o Bitcoin, entendia que o custo de manutenção e o custo energético tinham que ser balanceados para que não fosse possível um governo, por exemplo, comprar milhares de equipamento cujo custo energético seria barato, por mais que o governo controle, na maioria das vezes, as geradoras de eletricidade, e conseguisse montar um ecossistema industrial que conseguisse chegar ao ponto de ter mais de 51% da rede, porque a gente tem vários problemas que poderiam acontecer na validação dos blocos caso alguém tivesse controle da rede.Com o tempo, o Bitcoin evoluiu de tipos de hardwares para mineração, nós saímos de um processamento em CPU, para um processamento em GPU, aí foram aparecendo outros dispositivos específicos para a mineração de Bitcoin, como as Asics, que são têm uma quantidade enorme de chips, mas consomem um absurdo de eletricidade. Se vocês procurarem uma especificação técnica de uma máquina Asics, vocês vão ver que cada uma utiliza em torno de 3.000 Watts, é muita coisa, ainda mais comparado a uma placa de vídeo, que usa entre 150 e 300 Watts, então é uma escala muito grande, mas essas máquinas geram muita validação por segundo.

Todo minerador tem um cálculo básico que é feito entre o custo de aquisição do equipamento e o custo mensal energético. Quando eu comprei as minhas placas de vídeo, por exemplo, eu fiz essa conta, naquela época, o investimento tinha um payout de 4 meses, depois disso eu só tinha que manter a manutenção da eletricidade. O que aconteceu no Brasil foi que durante a pandemia a gente não sofreu um impacto imediato e teve um aumento na procura das criptomoedas, até que veio essa recessão com a alta da taxa de juros, os investidores institucionais se recolheram e a gente teve uma queda no valor dos ativos, consequentemente, o retorno da mineração caiu. Para quem já tinha essas placas de vídeo pagas, como foi o meu caso, iria ganhar menos, mas, enquanto estiver pagando a conta de luz, estava Ok. Só que a gente também teve um aumento da energia, além disso, começamos a ter, pelo menos aqui no Espírito Santo, onde está a minha mineradora, a tal da “bandeira vermelha”, que aumentou em torno de 25% o calor da conta. Quando eu comecei a fazer as contas no começo do ano, vi que estava complicado, mas ainda estava cobrindo os custos energéticos. Quando chegou em março, já não tinha mais condição de manter a mineração, já não estava mais nem pagando os custos energéticos, então eu escolhi desligar todos os equipamentos. Tem alguns meses que a gente desligou as rigs e aí, obviamente, tem todo o trabalho de colocar essas placas de vídeo nas caixas para guardar, para poder manter o equipamento. Eu estou mantendo elas guardadas para, se em algum momento essa mineração voltar a ter o retorno que tinha um ano atrás, eu religar elas.

Vamos continuar falando do The Merge. A partir do momento que a gente faz essa migração do modelo de mineração para o modelo de stake, quem é que se beneficia dessa história? Quem acumulou uma grande quantidade de Ethereum até o momento da migração, e o senhor Vitalik Buterin é um dos caras que mais tem Ether no mundo. Se a gente for parar de querer só ver esse lado “bonitinho” do ESG, da emissão de carbono e tal, e começar a ver pela realidade, o Vitalik é um rapaz bilionário, que possui uma grande quantidade de Ether e vai ser extremamente beneficiado por essa mudança. Ele não consegue, hoje em dia, fazer isso sozinho, ele precisa convencer a comunidade a apoiá-lo. Esse é um primeiro fator que já me desagrada bastante nesse discurso, porque eu vejo essa hipocrisia, esses dois lados da moeda. O segundo fator que me deixa muito preocupado é que a gente passa de uma questão de descentralização baseada em questões computacionais, que depende de equipamentos específicos, manutenção e energia, para simplesmente uma questão monetária. Então, se você pegar um Elon Musk da vida, que tem bilhões de dólares, e ele resolver comprar tudo em Ethereum, ele poderia ter full nodes suficientes para causar algum tipo de instabilidade na rede. E o que a gente pode fazer se isso acontecer? Ou se o governo americano ou o governo da China resolver comprar um trilhão de dólares em Ether e controlar a rede, o que a gente vai fazer? A gente viu um caso recente de uma rede em que aconteceu esse tipo de coisa, viram que uma “baleia” tinha mais de 50% da rede, olha só que absurdo o que eu estou falando aqui, uma pessoa que tem muito dinheiro foi lá e comprou a maior parte dos ativos de uma rede, Solend o nome, se não me engano. Aí os caras que controlam a rede [porque sim, existem caras que controlam essa rede], fizeram uma votação de governança para que a comunidade tomasse posse da carteira daquela “baleia” e fizesse uma liquidação das moedas que ela tinha. Olha só como é perigoso. O Ethereum, caso necessário, poderia fazer a mesma coisa que foi feito na Solend? Essa é uma pergunta que tem que ter a resposta muito clara antes de se pensar em manter carteira em Ethereum, ou qualquer coisa do tipo. O que acontece no caso de China, Rússia, Estados Unidos ou qualquer outro país comprar 51% do Ether em circulação? Porque dinheiro para isso eles têm. Vão fazer o que? Vão tomar posse dessa carteira? Vão botar a carteira numa blacklist? Vão determinar que aquelas carteiras não sejam mais full nodes? Que tipo de situação de merda que a gente vai ter? Esse é o tipo de situação que a gente não tem com PoW, porque, mesmo que os EUA comprem um milhão de placas de vídeo, a China pode ir lá e comprar dois, e aí fica nessa brincadeira.

Até hoje o Bitcoin, que está indo aí pros seus 14 anos, não teve nenhum tipo de problema nesse sentido. Ah, mas gasta muita energia? Entenda uma coisa de uma vez por todas: Todo mundo que faz mineração está sempre a procura de fontes mais baratas de energia, seja a solar, a eólica, o que for. Não estão se importando se é a carvão ou hidrelétrica, se o governo tem formas de proporcionar uma energia mais barata, aí a gente fala de melhorar a nossa matriz energética, mas essa é uma questão muito mais ampla e política do que a gente consegue de fato reverter, essa ação do Vitalik não vai mudar em nada a matriz energética de nenhum país, a China vai continuar gastando carvão pra caramba. Inclusive, se o discurso do Vitalik é de fato por causa das mineradoras chinesas que utilizam carvão, a China proibiu a mineração de Ethereum, então se for só por esse argumento, a gente não precisaria nem ter o The Merge. Mas, como eu suponho, essa migração é muito mais voltada a beneficiar as grandes “baleias” do Ethereum, as grandes Exchanges, os grandes Defi e o próprio VItalik Buterin, do que efetivamente ter alguma coisa relacionada a uma melhora ambiental. E, obviamente, também tem a questão técnica da melhoria da escalabilidade dentro da rede do Ethereum.

Agora, vamos à conclusão desse enredo… Essa migração está prevista para acontecer em setembro, eu não acredito que vá dar nenhum grande problema técnico, mas vai ter uma euforia exacerbada, tanto pra baixo quanto pra cima, vai ter muita gente comprando no hype da Ethereum 2.0, e vai ter muita gente realizando também, porque tem muita gente que está precificando desde agora. Inclusive o Vitalik falou uma coisa nas redes sociais, e eu concordo plenamente, que a melhor opção para quem está querendo continuar no PoW é migrar para o Ethereum Classic, e isso fez com que o preço desse uma disparada na semana passada. Eu já venho falando isso já tem um tempo, eu fiz a migração dos meus sistemas para o Ethereum Classic. Abandonei o Ethereum para aplicações, a não ser que seja por solicitação de algum cliente, fora isso, eu uso qualquer outra solução que esteja fora desse ecossistema, até utilizo a Polygon ou a BNB, mas não quero, pros meus projetos pessoais, pelo menos, estar utilizando essas redes centralizadas, porque, para mim, o que vai acontecer com o Ethereum é justamente a centralização da validação da rede. A gente vai ter o protocolo Lido, que é uma stake de Ethereum, que já tem mais de 50% do poder da rede. Quando foi feita a proposta do The Merge, foi criada uma rede de testes separada, a rede Beacon, que é utilizada para testar essas migrações. O que o protocolo Lido fez? Ele “recolheu” Ethereum das pessoas em troca de tokens que, depois da migração para a Beacon, serão devolvidos em Ethereum dentro da rede em formato de stake, pagando proporcionalmente às pessoas com os lucros da validação. Ou seja, ele conseguiu convencer muita gente que estava vendo a mudança se aproximar, mas não tinha os 32 Ethereum para se tornar um full node de stake, a trocar seus Ether por tokens, para montar os nodes, prometendo que, à medida que vão entrando as recompensas, elas são repartidas proporcionalmente, como é feito nas pools de mineração, por exemplo. Então, se a gente já tem um protocolo DeFi que tem 50% da rede em stake, a probabilidade de dar merda é altíssima. No meu ponto de vista, a segurança foi deixada de lado por uma ambição maluca de escalabilidade, que pode dar muito errado.

Quando o Vitalik fala que não acredita que essa migração foi precificada pelo mercado, eu concordo, porque eu acho que tem muita gente esperando pra ver o que vai dar, inclusive eu sou uma das pessoas. Eu estou esperado pra ver se vai dar merda. Se daqui um ano o Ethereum 2.0 estiver estável, pode ser que a gente pense em talvez voltar a utilizar, mas, até lá, eu estou foda dessa brincadeira, e estou fora em todos os sentidos porque a chance de dar problema é alta e a chance de se recuperar de um problema depois dessa migração é ínfima, porque o Ethereum tem um peso muito grande e hoje a confiabilidade está baseada na descentralização e na segurança. A partir do momento que se abre mão da descentralização e da segurança, para colocar as suas forças na escala, você pode ter uma migração em massa de quem aderiu à sua tecnologia justamente pelos princípios básicos dela. É a mesma coisa de abrir uma empresa com uma proposta de fazer jogos, contratar um monte de gente que quer fazer jogo, chegar pra equipe e determinar que, a partir de agora, vão fazer app, vai ter uma galera que vai sair, porque entrou na empresa justamente para fazer jogo. As pessoas que entraram no Ethereum, o fizeram por uma séria de fatores, quando eu entrei no Ethereum, eu entrei pela forma como a rede era organizada, pela descentralização, pelo PoW. A partir do momento que ela mudou os conceitos, não faz mais sentido eu estar lá. E aí, se não faz mais sentido eu estar lá, pode ser que tenha muita gente com o mesmo pensamento que o meu de, se mudar para PoS, migrar para uma Solana, uma Polkadot, ou qualquer outra que use PoS, porque elas fazem a mesma coisa que a Ethereum, só que mais barato, e aí não faz mais tanto sentido ficar lá. Uma das coisas que a Ethereum sempre se vangloriou muito é a quantidade de validadores, a maior rede de mineração do mundo. Se você elimina a rede de mineração, você pode ter validadores migrando para outras moedas e você pode ter grandes “baleias” controlando a mineração por stake, e aí você cai, é simples assim. A fundação do Ethereum pode cair por terra no mesmo dia que acontecer essa migração, porque uma coisa que é imprevisível nessa migração, e a equipe da Ethereum sabe disso, é a movimentação do mercado. Não falando de questões técnicas, mas falando dos caras que têm dinheiro injetado ali dentro da rede, se eles vão permanecer lá ou não. Quantos full nodes vão existir? Ninguém sabe. Será que, quando o Lido liberar para saque, todo mundo vai sair em massa retirando esse dinheiro? A gente não sabe. E aí a gente vai ter que esperar essa migração acontecer agora em setembro para conseguir ver o que o mercado vai fazer com essa mudança, se estabilizou ou se deu merda.

Obviamente, independente do resultado disso que vai acontece em setembro, eu vou voltar aqui para falar sobre essa migração, se deu tudo certo, se deu problema.

O conteúdo deste post é um compilado do vídeo “The merge”: