Vamos começar com um título difícil só pra assustar quem chega:
“Relevância Semântica Contextualizada com Ponderações Heurísticas Dinâmicas no Pré-processamento de Vetores em Ambientes Cognitivos com Janelas de Contexto Limitadas”.

Respira. Agora esquece.

Vamos falar de algo bem mais prático.

Imagine que você está construindo um sistema de busca em um e-commerce com 150 milhões de produtos. Você digita “smartphone” e, claro, aparecem capinhas de celular, fones de ouvido, películas de vidro… tudo, menos o bendito smartphone.

Se você já passou por isso, você já sabe: o problema não está na ausência de dados. Está no excesso de irrelevância.

Lá atrás, quando trabalhei com comparadores de preço e sistemas de busca, a solução foi simples e suja: fiz um sistema de score onde cada palavra ganhava ou perdia pontos.

  • Se o título tinha “case”, “película”, “capinha” → -100 pontos direto.
  • Se aparecia “smartphone”, “iphone”, “galaxy” → +10.
  • E se essas palavras estavam nas três primeiras palavras do título → multiplicava o score.
  • Por fim, o produto ganhava peso se tivesse muito clique nas últimas semanas.

O resultado?

Os smartphones de verdade voltaram pro topo, e as capinhas foram pro fundo do poço de onde nunca deveriam ter saído.

Mas e se a gente estiver lidando com texto corrido?

Agora corta pra 2024. Você está brincando com LLMs, usando RAGs, embeddings vetoriais, janelas de contexto de 128 mil tokens, e acha que está arrasando.

“Pera… o modelo continua respondendo coisas genéricas, esquecendo contexto importante, e pegando documentos irrelevantes mesmo com FAISS ou Qdrant.”

É. Porque vetores não têm senso de prioridade.

Eles sabem dizer “parecido”, mas não sabem dizer “importante”.

Vetor é bom. Mas é burro.

O que falta é uma camada de interpretação antes do vetor. Algo que funcione mais ou menos como o meu sistema de busca antiga:

  • Extrai os termos importantes da frase (“comprar”, “iPhone 14”, “não quero gastar muito”)
  • Atribui pesos diferentes conforme intenção, posição, negação
  • Usa isso pra filtrar os chunks que realmente importam
  • E só então joga no prompt do modelo

O nome bonito pra isso seria:
“re-rankeamento semântico simbólico híbrido antes da injeção vetorial contextual”.
Mas eu chamo de: senso comum + bom gosto.

RAGs são burrinhos com boa memória

RAG (Retrieval-Augmented Generation) é legal. Ele permite que um modelo “lembre” coisas externas via busca vetorial.
Mas do jeito que a maioria faz, ele é basicamente:

input → embedding → top-k → prompt → resposta

“Me dá os 5 documentos mais parecidos com o que eu falei, mesmo que eles sejam completamente inúteis.”

O que deveríamos estar fazendo?

input → análise semântica → re-rankeamento heurístico → embedding → prompt

Ou seja:

  • Interpreta o que foi dito
  • Identifica o que realmente importa
  • Prioriza e descarta o ruído
  • E só então decide o que vai parar no contexto do modelo

Simples. Mas ninguém faz.

Por que a AGI ainda é um meme?

A conversa sobre AGI virou quase um mantra no mundo da tecnologia. A cada novo modelo lançado, alguém aparece dizendo que agora vai. “O GPT-5 será uma AGI”, “o DeepSeek já pensa como um humano”, e por aí vai. Mas a realidade é que, por mais avançados que esses modelos pareçam, eles estão longe de qualquer coisa que se aproxime de uma inteligência geral. E o motivo é simples: a estrutura base deles não suporta isso.

Modelos de linguagem são ótimos em prever a próxima palavra. Eles têm acesso a quantidades absurdas de dados, conseguem simular conversas complexas, responder perguntas, escrever código, poesia e até filosofar. Mas tudo isso acontece dentro de uma janela de contexto limitada, que, por mais que esteja aumentando (4k, 16k, 128k tokens), ainda é uma simulação rasa de memória. Quando a conversa termina, o modelo esquece. Ele não aprende. Ele não guarda nada. E mesmo durante a conversa, ele só enxerga o que está imediatamente disponível naquele bloco de texto que você enviou.

Não existe memória real. O modelo não tem histórico, não tem senso de continuidade. Ele não cria conhecimento novo, nem atualiza o que já sabe com base nas interações. Ele simplesmente recebe um prompt e gera uma resposta com base nos padrões estatísticos aprendidos durante o treinamento. Isso não é inteligência — é autocomplete muito avançado.

Aí entram as soluções de contorno: sistemas RAG, bancos vetoriais como Qdrant, Pinecone, Faiss, arquiteturas de agentes, fluxos com ferramentas externas. Tudo isso para tentar simular algo que se pareça com memória e raciocínio. Mas a verdade é que esses sistemas ainda estão colando pedaços soltos de informações, tentando fazer com que pareça que o modelo “lembra” ou “pensa”. Só que tudo continua girando em torno do mesmo processo: gerar a próxima palavra mais provável.

A ilusão de que mais contexto resolve tudo também cai por terra. Você pode ter 128 mil tokens de janela, mas se o modelo não sabe o que priorizar, não tem uma estrutura cognitiva que organiza conhecimento por relevância, intenção, ou propósito, ele vai continuar chutando. Só que com mais texto. Não importa o tamanho da memória se ela não tem hierarquia, foco e propósito.

Outro ponto crítico é o armazenamento e processamento. Mesmo com os clusters de GPU mais potentes do planeta, com 128GB de VRAM por unidade e centenas delas rodando em paralelo, os modelos ainda não têm capacidade real de operar como uma mente. Eles não simulam múltiplos caminhos, não fazem testes hipotéticos internos, não criam camadas de interpretação, nem constroem conhecimento distribuído. O que temos hoje são redes neurais gigantes que processam texto com eficiência absurda, mas que são estruturalmente incapazes de evoluir sozinhas.

Enquanto os modelos continuarem sendo tratados como caixinhas de inferência estática, e enquanto o processo continuar sendo baseado apenas em embeddings + vetores + prompt engineering, a gente vai continuar girando em círculos. Vamos ver modelos maiores, mais rápidos, mais caros — mas não mais inteligentes. A AGI não vai surgir do acúmulo de tokens nem do empilhamento de camadas. Vai surgir quando conseguirmos modelar, de fato, uma estrutura que entenda relevância, tenha objetivos próprios, memória ativa e evolua com o tempo.

O caminho pra AGI não passa apenas por mais GPU. Passa por criar sistemas com arquitetura cognitiva, que saibam organizar conhecimento, lembrar do passado, planejar o futuro e aprender com os próprios erros. Até lá, o mais próximo de uma mente que temos continua sendo uma previsão estatística travestida de inteligência. E enquanto isso for verdade, AGI continuará sendo só uma ideia distante, enfeitada por hype e benchmarks bonitos.

Natural Language Processing

Quando a gente fala em avançar no processamento de linguagem natural (NLP) rumo a algo mais próximo de AGI, a conversa invariavelmente esbarra em uma parede chamada contexto limitado. Os modelos de linguagem, por maiores que sejam, continuam presos a janelas de contexto relativamente pequenas. Mesmo com 128k tokens disponíveis, isso é nada perto do volume de conhecimento que uma mente precisa processar para manter coerência ao longo de dias, semanas, meses. Quando a tarefa é lidar com bilhões de tokens de entrada, não dá pra confiar só na memória do modelo.

É aí que entra a ideia de sharding de memória vetorial — uma técnica inspirada em bancos distribuídos, que parte da premissa de que é impossível manter tudo em RAM, muito menos na VRAM, mas é possível segmentar, indexar e buscar partes relevantes com base em semântica e contexto ativo.

Na prática, o que estamos tentando fazer é criar uma “mente fragmentada” onde cada parte da memória é separada por domínio, entidade, tempo, intenção ou qualquer outro critério que permita que aquela fração da base seja consultada de forma eficiente. Ou seja, não dá mais pra trabalhar com um único banco vetorial flat. A solução real é dividir isso em shards inteligentes, onde cada segmento da memória sabe com quem deve conversar.

Mas só fazer sharding não resolve. O gargalo volta com força quando você percebe que:

  • A maior parte dos bancos vetoriais (Qdrant, Pinecone, Weaviate) são otimizados pra busca semântica estática.
  • FAISS em memória resolve parte do problema, mas explode com 10 milhões de vetores.
  • E o maior buraco de todos: os embeddings são cegos ao contexto atual da conversa.

Ou seja, você pode ter um embedding ótimo, mas se ele foi gerado num contexto onde a palavra “Apple” era uma fruta, e agora você está falando de iPhones, o ranking pode ficar completamente inútil. Pra funcionar, a busca precisa entender o “peso temporal e semântico” de cada termo.

E mais: não basta trazer os 5 vetores mais parecidos. Tem que saber por que eles são relevantes agora. Isso exige uma camada intermediária que analisa intenção, tempo, entidade, relevância simbólica e até frequência de uso. Uma espécie de “córtex de memória” que filtra antes de buscar, pontua antes de ranquear, e só então envia pro modelo.

Outro problema é a própria maneira como os dados são processados: linguagem natural é redundante, subjetiva e cheia de nuances. Quando você transforma isso em vetores puros, perde toda a estrutura lógica e simbólica que dá sentido ao raciocínio humano. É por isso que cada vez mais se fala em híbridos entre embeddings vetoriais e memória simbólica — porque só vetores não carregam hierarquia, causalidade, intenção ou contradição. Eles são parecidos ou não. E só.

Pra escalar esse tipo de arquitetura, você começa a pensar como se estivesse criando uma espécie de banco de dados cognitivo, onde cada pedaço de memória é uma partição autônoma, com indexação semântica, atualizações contextuais e rotas de acesso dinâmicas. E, mesmo assim, o modelo precisa de um filtro inteligente na entrada. Não adianta ter bilhões de vetores se o modelo ainda depende de um prompt linear pra tomar decisões.

O cenário ideal seria um sistema onde:

  • A linguagem natural é transformada em uma representação híbrida (tokens, vetores, símbolos).
  • Cada shard de memória responde por um “domínio de conhecimento” ou contexto específico.
  • A consulta ao shard não é só por semelhança, mas por necessidade de inferência.
  • E o LLM atua como um orquestrador — não como o cérebro, mas como o processador central de uma rede distribuída de memórias inteligentes.

Ou seja: enquanto os modelos de linguagem continuam sendo tratados como caixas fechadas com contexto linear, a ideia de atingir níveis reais de cognição ou raciocínio generalista segue impossível. A solução não é “mais tokens”. É mais organização semântica, contextual e funcional da memória. É montar algo que pensa como uma mente distribuída — que não carrega tudo o tempo todo, mas sabe exatamente onde buscar, quando buscar, e o que priorizar.

“Ah, mas com a computação quântica isso tudo vai ser resolvido.”

Não vai.

Processadores quânticos, na teoria, expandem absurdamente a capacidade de processamento paralelo, o que pode, sim, ajudar em certas tarefas específicas — como simulações moleculares, otimizações combinatórias e, eventualmente, em acelerar o treinamento de redes neurais. Mas eles não resolvem o problema central da AGI, que é a arquitetura da memória e a comunicação entre os componentes que formam uma mente artificial funcional.

O gargalo hoje não está no cálculo puro. Está na forma como os dados são armazenados, acessados, atualizados e reutilizados ao longo de longas cadeias de raciocínio. E nisso, os qubits não ajudam. Porque mesmo que você tenha capacidade de computar mil possibilidades ao mesmo tempo, se você não consegue armazenar e relembrar com estrutura, de nada adianta.

É como ter um supercérebro que esquece tudo o que pensou na última frase.

A real revolução em hardware — se quisermos um caminho viável para AGI — precisa acontecer em outra direção. Precisamos de memórias RAM com capacidade de armazenar trilhões de vetores, com acesso em tempo real, e com latência tão baixa quanto a VRAM atual. Porque enquanto a CPU/GPU estiver separada da memória, com o barramento gargalando a transferência de dados, você nunca vai ter uma mente funcional rodando em tempo real com bilhões de interações simultâneas.

A arquitetura do futuro não é um chip mágico quântico.
É um sistema integrado onde memória e processamento coexistem com latência quase zero, e onde o armazenamento acompanha a escalabilidade do raciocínio.

Até lá, o que temos são simulações. Modelos brilhantes, que escrevem bem, impressionam em benchmarks, mas que continuam sendo limitados por design.
Não é a falta de inteligência. É a falta de estrutura.