Hoje a gente vai falar um pouquinho sobre o varejo no Brasil. Para quem não sabe, nos últimos 10 anos eu trabalhei indiretamente no mercado de varejo, prestando serviços para empresas, então eu vou tentar passar um pouco da minha experiência e da minha opinião sobre o varejo brasileiro e para onde que ele está caminhando. Vou comentar também um trecho de uma entrevista recente do Luiz Barci em que ele fala do tema [para quem não conhece, Luiz Barci é o maior investidor pessoa física da B3, vou deixar vídeo completo da entrevista no final do post].

“Você e todos esses que acreditam no setor de varejo, eles são um pouco informados em termos de histórico. Das empresas de varejo, pelo menos umas 40 quebraram e as próximas quebrarão, tá certo? Magazine Luiza um dia vai quebrar, eu não sei quando, mas ela vai quebrar, entendeu? Eu não sou profeta, tô falando em termos de histórico, veja bem: quebrou a Sears, quebrou a Casa Centro, quebrou a Mappim, quebrou a Sloper, quebrou a Ultralar, quebrou mais, que eu já nem me lembro. Há pouco tempo atrás a Máquina de Vendas também, tá pendurada, né. Via Varejo tá pendurada, se eu não tivesse colocado 300, 400 milhões. O que acontece, no Brasil principalmente, é o seguinte: o setor de varejo, é um setor que ele é manco, ele não tem uma conotação confiável na sua operacionalização. Por quê? Porque o governo, ele engana você, engana todo mundo, tá certo? Ele diz para você que a inflação é 8%, enquanto é 40…”

O Luiz Barci tem uma posição que eu concordo com relação à vida das varejistas brasileiras, mas ele leva mais para o espectro do fluxo de caixa que essas empresas sofrem ao vender produtos parcelado em 12 meses, em 24 meses…

“No varejo, você compra um produto por R$1,00 e você fala ‘bom, vou vender esse produto em 10 parcelas, ganhando 100%”, correto? Então você vai vender por 2 [Reais]. O que é que ocorre? Durante o transcorrer, a inflação corrói, de uma forma vingativa até, eu diria. Então, quando chegou na metade do caminho, aquilo que você vai receber R$2,00 no fim da linha, você já tem que comprar esse produto por R$2,00.”

Eu vou direcionar esse assunto por outro ponto, que eu julgo ser importante em longo prazo, e vou focar nos e-commerces mais do que propriamente no varejo em loja física. A primeira coisa é dividir esses varejistas em duas categorias distintas: os varejistas que vieram de lojas físicas e os que já nasceram online. E por que dessa diferenciação? Magalu, B2W, Via Varejo, que vieram de lojas físicas, tem uma trajetória bem diferente de empresas que nasceram na internet. As empresas que já nasceram na internet, como é o caso da Amazon e da Shopee, vêem o negócio de uma forma diferente, elas não estão tentando simplesmente reproduzir a operação off-line num ambiente online. “Mas você abrir um e-commerce não é basicamente você deixar o portfólio da loja física disponível online pras pessoas comprarem?” Não! Não é tão simples assim. Na loja física a gente tem a figura do vendedor, que vai estar ali para tirar uma dúvida, para mostrar as opções que a loja tem disponível, para fornecer especificações mais técnicas, como as configurações de um notebook, etc. O vendedor ajuda nesse processo de venda. Por outro lado, na internet a gente não tem isso, então acaba que os usuários vão procurar informações na própria internet, vão ver a reputação da loja no Reclame Aqui, vão procurar um comprador de preço…

Então vamos entrar a fundo nessa parte de comparação, que é a minha área [para quem não sabe, eu era dono do Vigia de Preço e vendi a empresa no passado pro Buscapé, onde também trabalhei por um tempo]. Porque comparadores de preço existem no Brasil e não existem vários outros países do mundo? O perfil de compras do brasileiro é bem específico, porque a gente não tem uma “fidelidade” às marcas de varejistas. É muito raro ver uma pessoa que só compra na Casas Bahia, ou só compra no Magazine Luiza, praticamente não existe. Como os produtos normalmente chegam com valor muito alto aqui, o brasileiro tem o costume de procurar as melhores condições de compra. Outro ponto é que o Brasil é muito grande, então às vezes a gente vai ver um produto mais barato numa loja no Rio de Janeiro, mas, quando você adiciona o frete, esse produto fica inviável. É mais vantagem pagar um pouquinho a mais e comprar numa loja perto de você, que vai chegar mais rápido e tem menos complicações na entrega, e nessa conta não entra só do preço do produto, mas a condição de parcelamento, se for produto com ticket médio muito alto, e por aí vai. E por que eu faço essa distinção entre lojas que vieram do físico e lojas que nasceram na internet? Lojas que nasceram na internet entendem como conseguir impactar usuários, na maioria das vezes eles têm uma estrutura de marketing voltada para web, os sites são bem indexados, têm equipes especializadas em compra de AdSense, etc. Nas empresas que vieram do varejo físico, isso é o que eu observei no geral, as equipes de marketing são muito fracas e não sabem direito que estão fazendo, então eles tentam copiar a fórmula de compra de mídia, que nem sempre sai tão barato assim. Em compra de mídia a gente tem o ROI [retorno sobre investimento], que é quanto que você está gastando e quanto isso vai retornar de lucro. Às vezes você vê muito esforço em criar marketing para produtos que tem uma margem estreita demais, tipo telefones e produtos linha branca e deixa de lado produtos que tem valor agregado menor, mesmo a margem sendo maior porque, quando você vai ver o resultado financeiro que aquilo gera para a empresa, o montante é pequeno. Vou fazer uma comparação: se você pega um smartphone, normalmente a varejista vai ter um lucro entre 20% e 30%, tirando todos os encargos, impostos, frete, etc. Já no caso dele um livro, ele pode ter de 100% a 200% de lucro. Os valores variam muito de acordo com negociações internas de compra, mas vamos estimar um valor simbólico aqui, vamos dizer que o valor de venda do celular seja de R$1000,00 e a loja tira 20% de lucro, então ela vai ganhar R$200,00 na venda desse telefone. O livro que custa R$20,00, mesmo que ela tenha 200% de lucro, a gente ainda está falando de R$40,00. O valor é pequeno, mesmo que a margem seja maior, então a preferência dos lojistas, principalmente aqueles que vendem trezentas, quatrocentas, mil categorias diferentes, é optar por investir nos produtos com maior valor agregado.

E aí você tem um problema nesse sentido, porque existe um monopólio de ads na internet, basicamente tem o Facebook e o Google para fazer a divulgação e, se todo mundo quer comprar ads, a tendência é do preço aumentar. A venda de ads do Google e do Facebook é um leilão de palavras-chave e, se várias pessoas que estão querendo aquela mesma palavra-chave, então o binding dessa campanha aumenta muito. E aí existem técnicas para reduzir esse custo, tipo pegar formas de escrita errada, por exemplo, “smartfone” ou “smartpone”, e não é o que eu vejo acontecendo dentro dos marketings dos varejistas. Eles ficam muito no “feijão com arroz” e aí o custo dessa mídia acaba crescendo exponencialmente ao longo dos anos. Principalmente de 2015 até agora, esse custo aumentou muito, então a loja tem que reavaliar essas campanhas, porque quanto mais custa o marketing, menor a margem na venda do produto.

E por que existem os comparadores de preço? Porque existe um gap, uma fatia do mercado que quer comparar o preço antes de comprar. Os comparadores começaram a ganhar força nos anos 2000, tiveram seu auge por volta de 2012/2013 e depois mantiveram uma linha meio estagnada nos anos seguintes, mas mantendo muita audiência. O Buscapé existe desde os anos 90, quando foi criado pelo Romero Rodrigues, depois foi vendido pra Naspers, depois pro Zoom, pro BMG, mas ele continua existindo. E, se ele continua vivo, é por que ele está gerando receita, e se está gerando caixa positivo, é por que tem audiência e essa audiência muitas vezes é orgânica. No caso do Vigia de Preço era muito isso, muita gente vinha pelo Felipe Neto, ou por alguma propaganda de um influenciador, gostava da ferramenta, deixava instalada, no caso da extensão, ou baixava o app, e aí, quando precisava comprar alguma coisa, procurava, achava o melhor o preço e era direcionado para a loja, independente de qual loja era. Esse é um comportamento muito básico do brasileiro.

Então a gente tem o aumento progressivo do custo das campanhas de ads já dando reflexos que alguma hora essa conta não vai mais fechar e, obviamente, todos esses custos de marketing são repassados no valor do produto, consequentemente deixando o preço dos produtos mais caro. Somado a isso, num panorama mais macroeconômico, a gente tem muita instabilidade financeira no mundo depois da pandemia, a impressão de papel moeda foi muito grande e a gente está sentindo a crise. Isso está fazendo com que o brasileiro sinta no bolso o aumento em tudo, principalmente nos bens de consumo mais básicos, se você vai ao supermercado e vê aumento no valor de tudo. Então o brasileiro, de uma forma geral, está reduzindo o consumo de produtos que são os principais dos varejistas: as televisões, os notebooks, os smartphones. A galera hoje pensa muito mais antes de fazer um parcelamento de algum produto que já tinham um valor muito alto e, ainda, o valor desses produtos têm aumentado, então é o consumo reduziu do ano passado para cá. O terceiro fator nessa história é o aumento da concorrência: até pouco tempo atrás a gente tinha uma hegemonia de basicamente três empresas aqui no Brasil: a B2W, a Via Varejo e o Magazine Luiza. E aí a gente teve o MercadoLivre entrando com força, investindo muito dinheiro no Brasil nos últimos anos, e ganhando uma fatia de mercado absurda, tanto que, hoje, o MercadoLivre é o maior varejista do Brasil, com quase 60% do varejo, ou seja, ele é maior do que todos os outros juntos. A gente também teve uma entrada mais forte da Amazon, que é uma grande varejista americana, e de lojas chinesas, Aliexpress, Shopee, e essa galera começou a criar uma concorrência que não existia antes no mercado brasileiro. A entrada desses e-commerces de fora começou a movimentar um pouco mais essa concorrência, que antes era só entre essas três empresas. Consequentemente, mais empresas estão comprando palavras-chaves específicas, então a gente volta ao aumento do custo do ads, e, ainda mais, você tem empresas preparadas para essas compras em massa. Outro fator: a estratégia com que essas empresas de fora entraram no Brasil é muito agressiva, muito agressiva mesmo. Quando a Amazon entrou no Brasil, eu lembro como se fosse hoje, veio com uma política de lucro zero, ela pegava toda a margem de lucro que ela teria e reinvestia em reduzir o preço do produto, tirar o frete, e por aí vai, e isso fez com que várias livrarias quebrassem: Livraria Cultura, a Saraiva e várias outras quebraram ou ficaram muito mal das pernas. Os grandes varejistas tentaram tankar a Amazon quando ela foi se estendendo para outros ramos, mas nos últimos cinco anos eu vi várias empresas ficarem mal das pernas com entrada dessas empresas de fora. Essas empresas deixaram um rastro de destruição gigantesco onde foram passando e mexeram bastante com o ecossistema.

“E aí, André, você trabalhou com o Vigia de Preço e tal, você trabalhava na parte de afiliados, o que você acha da parte de afiliados?” Eu acho que a parte de afiliados cresceu no Brasil pela incompetência do marketing das lojas. Uma coisa que eu acho errado é a empresa achar que consegue fazer tudo sozinha, é uma empresa de varejo, mas quer fazer TI, quer fazer marketing, engloba tudo dentro de uma empresa só, e, no final, fica igual um pato. Fica deficitário na distribuição, o marketing fica meia boca, a TI é questionável, não é tão boa assim, e isso é o padrão de todos os varejistas brasileiros. É muito raro, muito raro mesmo, ver um varejista que sabe fazer com excelência o marketing do e-commerce. Então normalmente os marketings têm o “feijão com arroz” interno, de compra de ads, envio de emails, e eles terceirizam o que eles não sabem fazer: um bom sistema de retargeting, um disparo de push, fazer a parte de comparação de preço… Até, hoje em dia, os marketplaces estão tentando implementar uma espécie de “comparador de preço”, mas é muito enviesado para os vendedores do marketplace, nunca fica 100% como é o Buscapé, por exemplo. Na prática, o que acaba acontecendo é uma briga de um lado e do outro, porque o varejista quer fazer esse tráfico orgânico de alguma forma, mas é equipe interna de marketing não tem a capacidade para reproduzir o que os afiliados fazem, e os afiliados estão lá, gastando tempo e dinheiro para fazer tecnologia para esses caras, mas sempre com medo. Eu sempre vivia com medo lá no Vigia, porque não sabia se, a qualquer momento, um varejista ia para ligar para mim e falar que não queria mais trabalhar comigo. E foi que aconteceu, em 2020, pouco antes de eu vender a empresa, eu recebi ligação, era dezembro, perto do Natal, de uma grande varejista falando: “Não queremos mais trabalhar com vocês, não achamos que o tráfego que vocês mandam para gente é relevante”, foi lá, cancelou e a minha empresa, da noite pro dia, perdeu 30% do faturamento. Não existe uma regra muito sólida, não existe proteção desses contratos na legislação brasileira, é um negócio meio informal, meio complicado, difícil de monitorar, difícil de ver quem está certo e quem está errado. Eu não vou entrar muito nesse assunto, mas algum dia eu espero poder falar mais abertamente sobre isso, mas, por enquanto, a gente vai falar só que é um cenário meio nebuloso. Mas, pra pessoa que está fazendo a campanha do lado da loja é interessante, porque ela vai bater a meta dela e, normalmente, quando bate a meta, dobra o salário dela e por aí vai.

E porque estou dando todo esse overview? Eu concordo com a teoria do Luiz Barci que, mais cedo ou mais tarde, todas as varejistas brasileiras vão quebrar. Ele fala em caso específico do Magazine Luiza, mas eu entendo essa análise para todas as varejistas, porque o problema tem se intensificado muito nos últimos cinco anos. Os produtos estão cada vez mais caros, cada vez mais escassos, a competição internacional está aumentando, até tentaram passar uma lei para poder taxar as importações e o presidente foi lá e vetou, mas é um cenário de desespero dos varejistas chegarem nesse ponto de querer taxar a galera de fora porque eles não têm competência para competir. Para mim não faz sentido mais comprar em varejo, as condições não são atrativas, principalmente depois que os varejos começar a colocar o mesmo preço da loja física no e-commerce, antigamente tinha uma “gordurinha” ali, como o custo de operação do e-commerce é menor, eles botavam o preço mais baixo, agora não, é o mesmo preço online e na loja física, inclusive os vendedores olham no site o valor do produto. Então, se tem o mesmo preço, por que eu vou comprar na internet? É mais fácil eu ir no shopping  e comprar ou eu tenho a opção de comprar no MercadoLivre mais barato, na OLX, ou qualquer outro lugar, e o produto vai chegar para mim do mesmo jeito.

Quem lembra, nos anos 2000 o MercadoLivre tinha muito problema com entrega, tinha muita fraude, a gente nunca tinha certeza se o lojista era bom. E eles vieram trabalhando nesse sentido durante muitos anos, fizeram o MercadoPago, que é uma excelente plataforma de pagamento, e hoje é muito difícil você tomar um calote de um vendedor, até porque o MercadoLivre retém o pagamento e, se você não receber o produto direito, eles vão te reembolsar. Isso é excelente, para mim é o modelo que mais funciona: você dá liberdade para qualquer pessoa anunciar ali e se o cara está vendendo legal e está entregando direitinho, você dá uma reputação para ele, se ele não está entregando, você tira ele da plataforma. E a comissão que o MercadoLivre cobra é muito menor do que a comissão que os marketplaces cobram, então normalmente os caras que estão dentro dos marketplaces também estão dentro MercadoLivre, também estão dentro da OLX, e talvez até pratiquem um preço mais barato no MercadoLivre, justamente porque a taxa é menor, além de o MercadoLivre cuidar do envio. Tem varejista que não cuida do envio, ele só vai anunciar, vai te cobrar um percentual absurdo, vai te espremer a margem para cacete e você ainda tem que se virar para poder entregar esse produto, independendo da onde seja e, de novo, o Brasil é um país muito grande. E o MercadoLivre tem feito muito investimento nessa área de logística e, por isso, no meu ponto de vista, a experiência de compra é muito melhor. A resolução de conflitos também é absurdamente boa, a qualidade do serviço que eles prestam está cada vez melhor e é isso que está fazendo com que o MercadoLivre  cresça tanto e engula todos os outros varejistas que a gente tem aqui no Brasil.

Lá nos Estados Unidos você também tem esse movimento, o Walmart é muito forte, a Amazon é muito forte, o eBay é muito forte, e vai ser muito difícil um novo player entrar no mercado. Acredito que aqui no Brasil vai começar acontecer isso, MercadoLivre já está consolidado, no meu ponto de vista, como a primeira alternativa que vai sobreviver nessa briga, depois vai ter mais um ou dois, que também vão sobreviver, e vai ficar basicamente isso: alguém dominando, dois abaixo dele e o restante vai morrer com tempo. Pode não ser agora, pode demorar anos. E de onde eu estou tirando essa análise, é da minha cabeça louca? Não, pode entrar na internet aí e procurar as ações de todas as empresas varejistas e você vai ver que houve uma queda bem expressiva no último semestre, uma queda de quase 80%. E por quê? Porque o mercado está sentindo o impacto da inflação, o consumo caiu e quando o consumo cai, a gente começa a ver, de fato, que essas operações são muito frágeis, dependem de margens muito estreitas, parcelam os produtos em muitas vezes, então acaba acontecendo esse tipo de coisa. Se você é da área, fica aí uma sugestão: começa a olhar se faz sentido continuar trabalhando nessa varejista, se não fizer sentido, amigo, eu já eu já começaria a mandar meus currículos… Eu espero ter deixado clara a minha opinião com relação ao futuro das varejistas brasileiros.

Entrevista completa do Luiz Barsi:

O conteúdo deste post foi retirado do vídeo “Varejo no Brasil”: