Hoje eu vou falar de um tema que é meio confuso para a maioria das pessoas, que é diferenciar o que são os “C-Level” das empresas e os acionistas/conselhos administrativos e, a final, quem é que manda nessa porra toda.
A maior parte das pessoas confunde muito o que é diretoria e o que é conselho administrativo e os acionistas. Vou explicar detalhadamente quem é que manda, no final das contas. O que eu acho importante frisar é que os diretores de uma empresa não necessariamente são sócios dela. Eu vejo muitos casos por aí em que o próprio CEO, o diretor geral da empresa, é apenas um funcionário contratado. Essa pessoa que está ali, administrando o negócio, tem o papel de fazer com que as coisas funcionem, fazer as negociações e tudo mais. Mas, efetivamente, ela não tem poder de porra nenhuma, porque o trabalho de um CEO que não tem controle acionário da empresa é limitado aos poderes que o conselho administrativo dá a ele. Perceba, quem manda numa empresa grande, que tenha conselho administrativo, acionistas, investidores, é o próprio conselho. Quando você for fazer a análise de uma empresa para conhecer ou para investir, você tem que sabem quem são os acionistas dessa empresa, quem é que tem o maior percentual no contrato do CNPJ da empresa, porque o CEO da empresa às vezes é só um funcionário. Quando a gente fala de uma empresa menor, que não tenha conselho administrativo, uma pequena ou microempresa, faz sentido que o diretor geral também seja o/um sócio-fundador, por mais que no meu entendimento isso seja errado. Se você está abrindo uma empresa, ter ideia e montar a empresa não te capacita para ser um gestor. Inclusive, se essa empresa começar a crescer, minha recomendação é que você encontre uma pessoa que entenda do business pra poder tocar a empresa, porque você provavelmente não tem essa competência e vai cometer uma porrada de erros. Existe a possibilidade de você estudar e aprender, sim, mas a possibilidade de você matar a sua empresa em curto a médio prazo é muito alta, tanto que StartUps, de uma maneira geral, que tem muito essa configuração do fundador ser o CEO, 99% quebram nos primeiros 5 anos, justamente porque você ter a ideia não te capacita para ser administrador da empresa. Administrar uma empresa é completamente diferente de ter uma ideia técnica ou até mesmo saber operacionalizar aquela ideia ou ter experiência naquele setor. Você precisa de uma série de outros conhecimentos jurídicos, contábeis, etc. para poder tocar um negócio.
Na prática, o que nós temos é o “Olimpo” das empresas – o conselho administrativo: os acionistas ou representantes dos acionistas, talvez os sócio-fundadores, alguma outra empresa ou fundo proprietário. O conselho administrativo é formado para tomar as decisões estratégicas do business e, à partir desse posicionamento estratégico, o papel da diretoria é operacionalizar essas posições. O diretor, na prática, é um cargo de confiança: o conselho confia naquelas pessoas que são diretoras, porque elas têm, teoricamente, mais conhecimento, mais experiência para fazer a roda girar. Mas às vezes o diretor pode simplesmente ser um cargo de indicação de alguém do conselho, que está ali para monitorar as coisas.
Eu classifico a diretoria em entre “baixa staff” e “alta staff”, mas o que seria isso? “Alta staff“ é quem está mais perto do conselho administrativo, a gente está falando do CEO (executivo), do CFO (financeiro) e do CLO (jurídico/legal). E por que essas diretorias estão mais próximas do conselho administrativo? Porque são os caras que vão ponderar, junto ao conselho, questões financeiras, jurídicas e administrativas, que são a base estrutural de qualquer empresa e, se não estiverem bem estruturadas, a empresa sofre, não dá lucro e possivelmente quebra. Então, normalmente, esses três diretores ocupam o papel de “alta staff”. E nós temos a diretoria de “baixa staff”, que eu chamo de diretoria operacional, que é o diretor de comunicação, diretor de RI, diretor comercial, diretor de tecnologia e por aí vai. Essa galera está numa camada “inferior”, por mais que pareça que todos os diretores estão no mesmo nível, porque normalmente eles não participam tão efetivamente assim de decisões estratégicas ou não têm tanta relevância para querer tomar decisões estratégicas. É muito difícil você ver um diretor comercial que vai ter conhecimento estratégico suficiente pra poder colaborar. Por mais que ele entenda do business, nem sempre o que o comercial quer está alinhado com o que a diretoria quer. Por exemplo, às vezes os acionistas estão querendo vender a empresa, enquanto o diretor comercial quer vender mais para ganhar mais comissão, então tem um desalinhamento, o diretor comercial trabalha para gerar mais vendas e ele ganha normalmente comissão para isso, mas às vezes não é isso que a empresa quer. Como essa desalinhamento acontece com certa frequência, seja com o setor de tecnologia, de comunicação, de BI, e por aí vai, essa galera é uma diretoria operacional um pouco menos “forte” dentro desse ecossistema.
De novo, recapitulando, para ficar claro para todo mundo: Quem manda na porra toda? O conselho administrativo, daí vem a diretoria da “alta staff”, o CEO, CFO e CLO, depois a gente tem os outros diretores. É extremamente raro encontrar uma estrutura que seja muito diferente disse. Na prática, na maioria das vezes quando você está falando com um diretor, você está falando com um funcionário e se você juntar todos os diretores às vezes eles não vão ter nem 1% da empresa. E por que isso? Porque, na prática, quem tem a responsabilidade financeira com relação àquela empresa não são os diretores, são os acionistas que estão no contrato social, portanto não faz sentido nenhum um grupo de diretor ter ações relevantes dentro daquela corporação. Obviamente, tem exceções, às vezes você tem um diretor comercial que é essencial para a operação e aí o cara vira sócio, compra ações, e por aí vai. Mas é muito raro isso acontecer, normalmente diretores de “baixa staff” são funcionários. São funcionários de cargo de responsabilidade, de confiança e tudo mais, mas pouco se diferem de um funcionário como qualquer outro, podem ser demitidos, podem ter problemas, não são semideuses. Temos que parar com esse negócio de endeusar a diretoria, de ter medo de falar as coisas, independente do cargo que você ocupa.
Às vezes o que essa diretoria está querendo é justamente o contraditório. Várias vezes eu dei consultoria ou participei de estudos estratégicos em que fui chamado para ser o contraditório ali dentro, pra justamente apontar os erros da operação que os próprios diretores não estão vendo, porque quando você está muito imerso dentro de um business, cria-se certa miopia, quando vem um consultor externo, ele começa a apontar erros que às vezes a própria equipe não está vendo ou está negligenciando. E é por isso que eu sou chamado para fazer esse tipo de trabalho, justamente porque eu não tenho medo de chegar na cara do diretor para falar que ele está fazendo merda. E tem que ser assim, é saudável que seja assim, porque um diretor é uma pessoa como qualquer outra, talvez tenha um pouco mais de experiência, ou talvez não tenha, e aí você precisa apontar o dedo na cara dele e falar: “Você quer que isso aqui dê certo? Se você quer que isso aqui dê certo, você está fazendo errado.” Eu já fiz isso várias e várias vezes, não tem nada de mais. Muita gente pensa que, se fizer isso com o diretor, vai acabar sendo demitido. Se um diretor te demite porque você apontou um erro que ele está cometendo, ele não é um bom diretor, ele é um imbecil. O diretor tem que estar preparado para ter pessoas falando que ele está fazendo besteira. Obviamente você não vai chegar na cara do diretor e vai chamar ele de otário, de burro, vai falar com jeito que você acredita que ele está equivocado e dar motivos sólidos para isso, precisa ter embasamento na hora de fazer esse questionamento. É saudável que você crie esse impasse caso, de fato, você tenha todo embasamento do quê você está falando.
A empresa precisa ter esse ecossistema de diretoria porque precisa ter alguém que vai ser responsável pelos setores. Mas, de novo, não quer dizer que esse cara seja sócio da empresa ou que ele seja intocável e, honestamente falando, muitas das vezes que eu ascendi a um cargo dentro de uma corporação foi justamente por questionar os meus superiores. Eles são seres humanos como quaisquer outros, como eu tenho bons argumentos, eu consigo falar de forma que as pessoas consigam entender e falar “ok, pelo menos fazer uma reflexão com relação ao que você falou eu vou fazer, para entender se está certo ou se está errado”. As pessoas demoram um pouco a aceitar que elas estão erradas, mas em longo prazo, começam a entender e aí o tempo mostra quem está certo e quem está errado. Mas, pelo lado positivo, quando eu acerto, eu sou lembrado e isso faz com que tenha uma recorrência no que eu faço. Muitas vezes eu presto consultoria para uma pessoa e dali 6 meses ela me chama, porque aconteceu exatamente aquilo que eu tinha falado que ia acontecer.
E por que eu estou falando tudo isso? Porque eu vejo um erro muito grande da maior parte da população no entendimento dessa infraestrutura, reclamando do CEO, reclamando do diretor de X, P, T, O, achando que, de fato, ele consegue alterar alguma coisa nesse ecossistema. Não consegue. E normalmente as pessoas não têm muito acesso a esses diretores. Eu já tive acesso a muitos diretores de empresa e o que eu sempre tento nos primeiros contatos é ter um entendimento de qual nível de mudança que esse diretor pode ou não fazer dentro da empresa, que tipo de liberdade ele tem, se ele é sócio da empresa, se ele tem voz ativa, se o conselho respeita as decisões dele ou não. Algumas pessoas podem argumentar que, por exemplo, o Steve Jobs era CEO da Apple e mandava na porra toda. Não é porque o Steve Jobs era CEO, é porque ele era o maior acionista da Apple, por isso ele mandava na porra toda. Ele era CEO e era dono, ele dissolveu o conselho. Um dos filmes do Steve Jobs mostra essa história: o conselho foi lá e demitiu ele, justamente quem fez esse movimento de tira o Jobs foi o próprio CEO que ele tinha colocado na época; quando foi demitido, ele montou a Pixar, montou a Next, depois ele foi “recontratado” para ser um consultor independente do conselho administrativo da Apple, porque a empresa estava quebrando; nessa época ele já estava fazendo toda uma movimentação de compra das ações e, quando ele voltou de fato pra Apple, já era o maior acionista, então ele dissolveu o conselho, aí ele acabou sendo o maior acionista E o CEO da empresa. Ele virou uma espécie de conselho dele mesmo.
Perceba que o entendimento disso vai facilitar um pouco a sua vida para entender quem é que manda. Normalmente eu gosto de falar com as pessoas que mandam, que realmente vão resolver o problema, porque ficar enchendo o saco de diretor que não vai resolver porra nenhuma não serve pra nada, concordam? Se a pessoa ocupa o cargo, mas não tem poder para mudar nada, para que você vai ficar enchendo o saco dela? Ela não vai defender a sua causa. Se tem um diretor para quem você reclama e as cosias não mudam, provavelmente é porque ele não pode fazer aquela mudança, ou ele não vai colocar o emprego dele em risco pra te agradar. Entenda isso e seja mais feliz, toque ideia com as pessoas pra entender e tente ser o mais compreensivo possível, porque provavelmente aquele cara está na mesma situação sua como funcionário. Ele é um funcionário como qualquer outro, mesmo tendo uma fração mínima de ações, ele pode ser demitido e tudo.
Eu espero que esse conteúdo possa abrir um pouco a mente de vocês com relação ao funcionamento de uma empresa. Obviamente eu estou falando de um tamanho de empresa maior, mas isso vai se refletir também nas pequenas, se você tiver conhecimento de como funciona a estrutura de uma empresa, vai cometer menos erros.
O conteúdo deste post foi retirado do vídeo “Quem manda é o conselho, não os C-Level”: