Na minha opinião, gente está passando pra uma nova era, que é a era da recorrência. Eu estava vendo um vídeo do Fábio Akita, que faz excelentes reflexões gerais, principalmente voltada pra área de tecnologia, e desse vídeo eu decidi fazer dois posts, esse aqui e um falando sobre a bolhas da Startups, que vai sair logo em seguida provavelmente. Hoje eu vou falar um pouquinho da mudança de cenário que está acontecendo, principalmente no marketing.

A primeira coisa que eu queria expor e quem tem acompanhado o blog já me viu falar algumas vezes, é com relação a como está a mudança do sistema de CAC: fazer aquisição está cada vez mais caro e isso tem um reflexo bem negativo em várias empresas que dependiam diretamente desse método. Por exemplo, o varejo é um segmento que depende muito de aquisição, principalmente na parte de e-commerce. Mas têm varias outras áreas que foram afetadas, por exemplo, a industria de games. Várias empresas de desenvolvimento de jogos  mobile estão tendo que repensar seus modelos de negócio, a gente teve um caso recente, inclusive, de demissão em massa em uma dessas empresas, justamente porque começou a ficar inviável o modelo de aquisição que a gente utilizava até hoje. Mas vamos entender direito o que é o modelo de aquisição, pra quem nunca me viu falar sobre esse tema aqui. Basicamente o Google, o Facebook, a Apple, entre outras, têm boa parte de suas receitas vindas de vendas de espaços publicitários, venda de exposição. Então, se você tem um negócio, você consegue ir lá no Google Ads, ou no Facebook Ads, e subir um anúncio. Nesse anúncio é feita uma série de segmentações pra tentar identificar o melhor público alvo. Obviamente, as empresas que são mais bem preparadas em questões de BI e marketing conseguem fazer uma segmentação mais próxima do público alvo delas, por exemplo, se eu estou fazendo uma propagando para um banco de investimento, então eu não vou querer que a minha propaganda passe para uma criança de 15 anos, porque ela não tem dinheiro pra fazer investimentos e ela não entende nada do assunto, então eu estaria gastando dinheiro de aquisição à toa.

E, até então, essas plataformas de compra de usuários utilizavam ferramentas pra gerar perfis, que eram segmentados na hora de entregar determinado conteúdo. Quando mais específica é a base que você quer impactar, mais caro se torna um anúncio. Cada segmentação limita a quantidade de pessoas que podem ser impactadas e, consequentemente, o valor aumenta, chegando a valores estratosféricos de CACs de 300 a 400 Reais por usuário. Esse é um custo de aquisição altíssimo, e mesmo que você consiga ter um LTV no longo prazo, é muito arriscado no meu ponto de vista. E, obviamente, a concorrência entre termos acaba deixando esse custo mais caro. Na prática, o entendimento de como essas tecnologias e algoritmos funcionam não é difícil: o custo de aquisição sobe de acordo com quanto a plataforma tem que se esforçar pra poder entregar determinado tipo de conteúdo. E isso existe em vários de tipos de anúncios, sejam para YouTube, Instagram, etc., não é só o Google e o Facebook que têm plataformas de Ads. Mas o que é que vem acontecendo? As marcas que têm um custo de aquisição muito alto normalmente utilizam algum serviço terceiro de BI pra conseguir segmentar melhor essa base, mas pra isso elas precisam que a plataforma que está publicando esses anúncios entregue informações do público que ela está interagindo, pra conseguirem otimizar a campanha. E isso funcionava muito bem até 2020, mais ou menos. Indiscriminadamente, as plataformas mandavam informações para os seus anunciantes, falando a localização da pessoa, o sexo, e outras informações, que iam pra uma base de dados, que era tratada pra gerar informações de otimização de campanha, e com uma boa equipe de analistas, isso deixava a campanha relativamente mais barata. Só que a gente teve um movimento muito grande, principalmente nos Estados Unidos e na Europa, e até mesmo aqui no Brasil, de leis de proteção de dados. A Europa começou muito forte, multando essas empresas por estarem disponibilizando essas informações sem autorização prévia do usuário, e criaram uma série de regulamentações acerca do armazenamento e clareza com o usuário sobre quais informações eles têm. Eu lembro que eu vi um documentário na Netflix muito interessante, que uma usuária do Tinder solicitou à empresa quais eram as informações que a empresa tinha dela, e eles mandaram um bloco de papel com mais de 300 páginas, e tinha tudo que você possa imaginar. O Tinder sabia mais da vida de pessoa do que ela própria, até um perfil psicológico tinha, que é uma coisa que você nem imagina que essas empresas possuem. E esse movimento ficou muito forte e surgiram várias leis, na Europa surgiu a GDPR, aqui no Brasil, nós temos a LGPD, que entrou em vigor efetivamente em 2020.

E aí, o que mudou? O que mudou é que agora as empresas estão limitadas na captura e no envio de informações para terceiros. Então todas essas empresas, Apple, Google, Facebook, etc., não podem ficar compartilhando informações com outras pessoas, com outras empresas, embora a gente saiba que isso continua acontecendo, é um número do seu celular vazado pra uma empresa que pede doação ou um email que vai parar em uma empresa de telefonia, isso acaba rolando. Mas pras Big Techs isso acabou ficando um pouco mais complicado de fazer. Consequentemente, quem tinha campanhas complexas de marketing, ficaram sem informação; sem informação você não consegue otimizar a campanha; não conseguindo otimizar a campanha, o custo de aquisição sobe, você não consegue chegar ao seu público alvo de forma eficiente, e aí toda essa estratégia baseada em aquisição cai por terra. E não é só “meia dúzia” de empresas que utiliza essa técnica, todo o setor de varejo utiliza aquisição, o setor de games também, de uma forma geral, compra bastante aquisição, principalmente jogos mobile, eles basicamente vivem de aquisição. Então esses mercados começaram a sofrer bastante com o aumento do CAC, de forma que impacta diretamente na receita, fazendo até que a empresa tenha que queimar caixa pra conseguir sobreviver. E as empresas que estavam só inflando os números, por isso que o próximo vídeo eu vou falar da bolha das Startups, que não estavam dando lucro, e estavam vivendo de dinheiro de investidor e comprando loucamente usuários pra poder falar que estava crescendo, estão perdidas. Acabou o modelo deles, porque não tem como mais viver nesse ritmo de “crescimento”, mas um crescimento artificial.

E o que é que vai acontecer daqui pra frente? A gente está entrando na década da recorrência, que é um modelo que empresas como a Apple e a Amazon já fazem há mais de 10 anos, mas que o mercado brasileiro não sabe fazer, que é criar fidelidade do consumidor. Se vocês forem pegar o histórico da Amazon, por exemplo, hoje ela representa 65% da população dos EUA. Eles são fiéis à Amazon e todas as compras acontecem via Amazon, não existe nenhuma busca de preço. Por quê? Porque a Amazon conquistou o público americano de uma forma que, pra eles, não existe uma segunda opção, não tem necessidade de ter uma segunda opção. Então a Amazon domina o varejo nos EUA, é quase que um monopólio, tem outras empresas ali também, mas ela predomina de uma forma bizarra. Isso porque o Jeff Bezos entendia o poder da recorrência. A Amazon passou, se não me engano, 10 anos dando prejuízo, fazendo com que a margem dos produtos ficasse no limiar mínimo possível para vender o produto barato, entregando rápido, às vezes entregando gratuitamente através do Amazon Prime, criando e fortalecendo uma base de usuários que se tornaram clientes fiéis da loja por causa disso. A Amazon ganha em preço, em qualidade de entrega, em processos internos, em atendimento, e tudo mais. Se a gente for comparar ao modelo das empresas brasileiras, e eu sempre gosto de fazer essa comparação porque é engraçado, se pegar todas as empresas de e-commerce brasileiras, você vai ter péssimo atendimento, frete caro e uma margem de lucro absurda. A margem de lucro dos varejistas brasileiros geralmente é em torno de 20 a 30%, dependendo do seguimento. Há quem acha que a margem é curta. A não é a margem que é curta, mas o risco é alto, principalmente por causa dos parcelamentos. Aqui a gente parcela em 12 a 24 meses, com risco de inadimplência, e quando uma operação de varejo tem um volume de inadimplência muito alto, nenhuma seguradora ou operadora de cartão vai querer segurar o risco do não pagamento. Então o risco de inadimplência recai sobre a loja, e a inadimplência é altíssima, principalmente quando você parcela no carnê em 24 meses, então a empresa vai deixar embutida toda a parte de risco, toda a parte de seguro. Então não é que a margem de lucro do varejo é baixa, é porque o dinheiro se perde ao longo do processo, com inflação, com inadimplência, e tudo mais. Acaba que, no final, todos os varejistas brasileiros, além de serem varejistas e cuidarem de logística, acabaram virando serviços financeiros inevitavelmente, seja com cartão, seja com carnê. Mas como a margem de lucro final do funil é muito baixa, você negligência vários outros setores. E o que é que as varejistas brasileiras escolheram negligenciar? Qualidade, atendimento, logística e preço. Totalmente o contrário ao que a Amazon faz. De novo, a Amazon preza por recorrência, então ela fideliza os clientes reduzindo as margens de lucro, entregando de forma eficiente e tendo um excelente atendimento ao consumidor. Nesse sentido de recorrência, a Amazon está a anos luz de qualquer varejista brasileira. É por isso que, na minha análise, nos próximos 5 a 10 anos quem vai estar no varejo brasileiro são MercadoLivre, Amazon, e lojas chinesas. Lojas brasileiras mesmo vão ser lojas nichada e pequenas. As grandes varejistas brasileiras, pra mim, vão morrer, mais cedo ou mais tarde, principalmente porque a gente está vivendo uma escassez enorme de investimentos de risco, e o varejo brasileiro precisa de dinheiro de risco o tempo inteiro pra conseguir operacionalizar.

O mercado, de uma forma geral, vai passar por uma mudança. Toda essa galera que faz o marketing das empresas que, até então, estavam trabalhando simplesmente em aquisição e que normalmente não entende nada do que está fazendo, só seguiam um feijão com arroz que estava dando certo até agora, essa galera está na rua. E pessoas que realmente saibam fazer uma análise relativamente razoável de um BI que vão ter que começar a resolver o problema, e porque o problema é muito mais sério do que parece. Como é que você cria dentro de uma base consumidora o sentimento de uma espécie de paixão pela marca? Você, que está lendo esse post, tem amor a alguma marca, brasileira ou estrangeira? Alguma coisa comparada, por exemplo, ao que os usuários da Apple têm? Alguma coisa parecida com o que os usuários de Netflix têm? Do Uber? São serviços tão bons que a gente não pensa em trocar, a gente pensa em acumular. Por exemplo, eu tenho Netflix desde o começo, e a eu fui agregando outros serviços de stream, HBOMax, Amazon Prime, mas eu nunca deixei de ter Netflix. Quando eu penso em pegar um serviço de transporte, em raríssimas exceções eu vou pegar em taxi, normalmente eu vou pegar um Uber, se eu estou em São Paulo, ou em qualquer outro lugar, e preciso, a minha primeira opção era o Uber, porque o atendimento era muito bom. As últimas vezes que eu utilizei o Uber, deixou bastante a desejar, então é o tipo de coisa, também, que tem que tomar muito cuidado, porque o cliente sente quando há uma mudança drástica no modelo da empresa.

Como que empresas que estão há anos no mercado, quando a gente fala de e-commerce, a gente está falando nos últimos 15 anos, que sempre trabalharam da mesma forma, agora vão conseguir mudar essa forma de trabalhar? Ninguém está preparado, sendo 100% honesto, ninguém está preparado. E é por isso que a gente tem visto, somado a outros fatores, várias empresas fazendo demissões em massa. E não é só aqui no Brasil, o Facebook fez demissão em massa, o Elon Musk, quando comprou o Twitter, também demitiu uma galera, a Sales Force demitiu uma galera, a gente percebe que isso é um movimento mundial. As empresas, que antes eram infladas porque tinha capital de risco disponível no mercado, agora estão recuando os seus modelos e começando a trabalhar recorrência. O que o Twitter está fazendo, por exemplo, de vender o selinho azul, já é um começo dessa história de gerar caixa em vez de ficar queimando caixa pra aquisição de usuários. E, honestamente, o Elon Musk é um cara muito inteligente, ele está seguindo por um caminho que, no meu ponto de vista, tem a tendência de ser muito bom em longo prazo, porque, pelos números, a quantidade de pessoas se cadastrando e começando a utilizar a plataforma tem crescido muito. Honestamente, depois que o Elon Musk comprou, eu comecei a utilizar o Twitter muito mais, porque, justamente, eu entendo que a proposta dele é mais interessante do que a da antiga administração. Obviamente, isso é uma questão de opinião pessoal, e cada um tem a sua e eu respeito, mas os números falem por si só e, no final das contas, o Twitter vem crescendo a sua base de usuários nos últimos meses.

Então, se você é uma pessoa trabalha diretamente com iso que eu estou falando, minha sugestão é que você comece a repensar as suas estratégias, se é que você já não fez isso, porque a forma de trabalhar com recorrência é completamente diferente do que trabalhar com aquisição. Eu sei muito bem disso porque eu já trabalhei no Vigia com compra de marketing, com compra de aquisição de usuários, e é uma coisa muito binária, muito verdadeira ou falsa, muito lógica: você vê o número e monta a campanha, você acompanha os números da campanha… Não tem nada de humano nisso, são apenas números, informações, BI, e a otimização da campanha. Agora, quando você está falando em comunidade, quando você está falando em recorrência, quando você está falando no bem estar do seu cliente, conhecer o seu cliente e tudo mais, você tem que ter contato humano, ter uma exposição mais humanizada, e você corre alguns riscos. A gente está vendo várias empresas que estão sendo boicotadas porque os fundadores se posicionaram politicamente, por exemplo. E quando você humaniza as coisas pra trabalhar justamente essa questão da recorrência, você tem que tomar cuidado de qual caminho você está seguindo, e muitas vezes, até, segmentar bem o público, pra que a comunicação que a empresa faz consiga atingir diretamente o público que você quer impactar. Também precisa prestar muita atenção, porque não dá para atender todo mundo, sempre vai ter que ter uma segmentação. Obviamente, quem estiver trabalhando com essa construção de comunidade precisa fazer parte dessa comunidade de certa forma, não adianta uma pessoa que é, por exemplo, muito polarizada. Não adianta você ter um marketing de esquerda querendo vender produtos pra pessoas conservadoras de direita, são públicos que não se conversam, que não se interagem, que têm um posicionamento completamente diferente um do outro. Como você acha que você vai conseguir fazer uma gestão de uma comunidade se você não faz parte dela?

Hoje eu faço a gestão, de certa forma, da comunidade da Uzmi Games, e eu jogo, eu participo da comunidade de MMORPG há mais de 15 anos, eu entendo sobre jogos, sobre desenvolvimento, e eu me insiro dentro dessa realidade, então eu consigo fazer a gestão da comunidade. Mas eu tenho também outras pessoas que me ajudam a fazer essa gestão como Community Managers <3, e não é um trabalho fácil. Você tem que responder à galera, você tem que estar próximo, e tem que trabalhar muito a lealdade dessa galera, que também não é 100% linear, ela vai e volta. Mas com o tempo você vai criando admiração das pessoas que estão ali, vendo o seu esforço e, obviamente, como você transparece isso no formato de empresa institucional. No final, por mais que tenham equipamentos, logística, produtos, e não sei o que mais, as empresas são pessoas, e essas pessoas, direta ou indiretamente, têm que aparecer em algum momento, pra gerar esse fluxo de comunidade. Se a empresa é só parede, ela não cria empatia suficiente pra criar recorrência no final do processo. É por isso que a gente tem esse movimento meio esquisito lá nos EUA, que começou a acontecer aqui no Brasil também, de CEOs de empresas se tornando Super Stars. O Steve Jobs, o Jeff Bezon, o Elon Musk, o Bill Gates, são cases que mostram isso. São pessoas que aparentemente não têm nenhum motivo, razão ou circunstância para serem pessoas famosas, mas acabam se tornando, até mesmo por uma questão de gerar empatia. Uma pessoa que gosta do Elon, quando vê eleentrando em um negócio, acaba seguindo. Você acaba criando uma legião de fãs, muito mais que só de clientes, e quem iniciou isso de uma forma muito primorosa, muito bem feita, foi o Steve Jobs e, na sequência, veio o Mark Zucherberg, o Elon também segue muito nessa batida. E você percebe que essa “postura do CEO” tem vários estereótipos, tem algumas pessoas que são mais pra frente, outras que são mais retraídas, mas todas elas seguem um roteiro de impacto de público no final do processo. Até mesmo o Bill Gates, quando está fazendo as suas “filantropias” pelo mundo, tem um interesse por trás, de impactar um tipo específico de público.

Eu não sei qual vai ser o resultado dessa brincadeira pra quem tem que adaptar. Quem já começou essa processo há mais tempo tem uma vantagem com relação ao que está por vir aí nos próximos anos. E de forma nenhuma eu estou falando aqui que aquisição morreu completamente, algumas poucas pessoas ainda vão conseguir trabalhar de forma eficiente, principalmente se o seu público é mais generalista, mas, obviamente, os reflexos do que está acontecendo já estão ficando cada vez mais claros. Isso se reflete no preço das ações das empresas de capital aberto, isso se reflete em demissões em massa, isso se reflete em vários aspectos de crescimento dessas empresas. Os unicórnios não são mais unicórnios, estão virando pangarés, justamente porque o que estava dando certo nos últimos 10 anos não funciona mais, e essa galera vai precisar se reinventar. E aí, se você está nesse bolo da galera que vai precisar se reinventar, já começa a mandar currículo porque vai ficar difícil arrumar emprego. Se eu fosse te dar uma sugestão, muda de área, entendeu? Vai fazer outra coisa, porque já era, quem trabalhava com marketing de aquisição vai ficar desempregado nos próximos anos.

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O conteúdo deste post foi retirado do vídeo “A Década da Recorrência”: