Hoje a gente vai falar de um tema bem complexo, que são as ferramentas de Ads. A gente vai falar sobre o que está acontecendo no mercado, por que as coisas mudaram, quais vão ser os impactos dessas mudanças para outros mercados e o perigo que algumas empresas estão correndo de morrer enquanto outras vão nascer dentro desse ecossistema. Eu estou fazendo esse post por que eu estava vendo o Primocast #201, justamente falando o que está acontecendo no varejo brasileiro e, como eu atuo nesse mercado há mais de 10 anos, estou colocando a minha opinião com relação ao que eu vi acontecendo nos últimos anos e para onde isso está se direcionando, além de como isso reflete também em outros seguimentos que utilizam Ads como ferramenta core de marketing do negócio.
No início da popularização da internet, lá pelos anos 2000, foram criadas formas de ganhar dinheiro com a rede, principalmente depois do surgimento dos primeiros gateways de pagamento. Um dos primeiros modelos criados na época foram os modelos de banner. Os banners monetizam geralmente por CPC, custo por clique, então quem compra um banner dentro de um site paga a cada vez que alguém clica naquele anúncio. Outro modelo criado mesma época foi o CPM, o custo por mil impressões de um determinado anúncio. Então com o CPM eu vou pagar X Reais e a minha propaganda vai passar mil vezes. Quando chegou por volta de 2005, nós tivemos o Google investindo pesado nas ferramentas de Ads, seguido pelo Facebook, e até hoje essas são as maiores ferramentas de Ads do mercado, e eles utilizam justamente os modelos de CPC e CPM como métricas para cobrar suas campanhas. No começo era muito fácil e muito barato ir no Google Ads, criar uma campanha e trazer uma enxurrada de pessoas para dentro do seu e-commerce. Uma galera que começou nessa época surfou na compra de tráfego barato. Só que “surgiu” uma nova métrica que se tornou muito importante para os anunciantes que compram esse tipo de mídia, o ROI, ou retorno sobre investimento. Basicamente o cálculo do ROI leva em consideração quanto eu estou gastando pra ter mil impressões da minha publicidade, dentro dessas mil impressões, eu tenho uma quantidade de pessoas entrando efetivamente no site, parte dessas pessoas vai gerar um lead, que é um cadastro e possivelmente vão se converter em vendas, no caso de um e-commerces. O cálculo fica, grosso modo, CPM ou CPC / lead ou conversão, uma métrica relativamente simples, o próprio Google fornece uma ferramenta para fazer esse tipo de análise, o Google Analytics, e existem várias outras ferramentas também para fazer análises mais complexas. Então você tem que conseguir com que o retorno seja maior do que o dinheiro investido, que o ROI seja positivo. Quando a gente fala de Varejo, ainda tem a questão da margem líquida, então você precisa lucrar mais do que você está gastando de publicidade ou gastando de verba publicitária de uma marca para aquela campanha. Por exemplo, a Samsung vai lançar um Galaxy novo, então ela injeta um capital de marketing para fazer o branding e a loja também coloca uma parte desse investimento, faz uma cooperação entre as duas marcas, para potencializar o lançamento dessa marca. Esse custo de branding, de marketing compartilhado, não está visando tanto lucro, mas foca na propagação e até mesmo num pensamento em longo prazo, de adquirir o lead para gerar uma conversão futura. Na maior parte das vezes os e-commerces focam em produtos com o ticket médio alto, porque aumenta a chance dessa conta de ROI fechar. E, durante muitos anos, o ROI fechou.
Só que os mecanismos de Ads também têm duas métricas internas muito importantes: a primeira é o esforço que a plataforma faz para conseguir impactar um usuário, principalmente quando é uma campanha CPC, porque a plataforma vai distribuir aquele conteúdo para muita gente até gerar um clique, então quanto mais esforço a plataforma tem na distribuição, mais caro fica esse CPC; outra métrica utilizada internamente no algoritmo de serviços de Ads é quantas pessoas estão competindo por aquele mesmo termo, aquela mesma exposição, quanto mais players comprando a mesma palavra-chave, mais valioso aquele espaço. Por exemplo, se tem uma pessoa querendo comprar o termo “smartphone”, o binding da campanha, o preço do CPC ou CPM, é um; se tiver mil pessoas querendo comprar a mesma palavra, vira um leilão, e quem paga mais vai receber mais visualizações e, obviamente, vai encarecendo cada vez mais o preço do Ads. A entrada de novos players no mercado, que são empresas multidepartamentos de fora do Brasil, como Shopee, Amazon, AliExpress, e até mesmo o fortalecimento do MercadoLivre, tornou as palavras-chave do mix principal dos e-commerces, como smartphones, linha branca e eletro-eletrônicos, muito mais caras. Esse é um ponto que não tem volta, a tendência é piorar, principalmente porque essas empresas de fora já estão muito bem estabelecidas em outros países e vêm pro Brasil com uma estratégia de lucro-zero nas operações, o dinheiro que eles ganham é para reinvestimento e isso bate de frente com as empresas brasileiras, que precisam ter lucro na operação, senão elas quebram. Até então estava “tudo bem”, essas empresas normalmente recebem aportes financeiros frequentes, elas conseguem ir a mercado pedir grana para estruturar melhor as suas operações, fazer investimentos em logística, e tudo mais.
A gente vai agora para um cenário mais recente, vamos falar de 2020 e como as coisas começaram a mudar. Antes mesmo da pandemia, a gente já estava vendo algumas movimentações com relação às políticas de privacidade, vários países do mundo começaram a questionar as Big Techs, Google, Facebook, Apple, a respeito de como essas empresas estavam coletando os dados dos usuários e trabalhando os seus modelos de retargeting. Inclusive eu já fiz uma postagem há um tempo falando sofre o fim do retargeting e o início do metaverso [link no final]. Na prática, essas empresas que vivem de informação e venda de publicidade na internet, usavam essas informações de consumo para gerar algoritmos otimizados e, consequentemente, gerar um ROI positivo para as campanhas, principalmente das varejistas, que injetam uma grande quantidade de dinheiro. Como tiveram que reduzir a quantidade de informações coletadas porque começaram a surgir leis para proteção de dados, como GDPR [General Data Protection Regulation], como LGPD [Lei Geral de Proteção de Dados], e ainda começaram a tomar uma série de multas por coleta indevida de informações nos últimos 4 anos, todas essas ferramentas sofreram um impacto direto no algoritmo.
A segmentação que se faz na compra de uma palavra-chave, principalmente quando se fala de consumo, tem o fator “tempo”. Um exemplo, para ficar mais claro: meu celular caiu no chão e quebrou a tela, eu não posso ficar muito tempo esperando para comprar outro, eu preciso do celular para trabalhar, então a janela de tempo que eu tenho para comprar um novo celular talvez seja de 48h, um pouquinho mais, um pouquinho menos. Nesse meio tempo, eu vou fazer uma pesquisa para ver os modelos, qual o valor que eu estou disposto a pagar e por aí vai. É nesse tempo que eu tenho que tomar a minha decisão de compra, que eu vou ser bombardeado pelas empresas para tentar me vender esse celular e, no final, eu vou escolher só uma delas para comprar. No Brasil a gente não costuma ter fidelidade a uma marca específica, existem pessoas que obviamente preferem uma loja ou outra, mas normalmente nós temos preferência pelo preço e pelo frete: quem tiver menor o preço e o menor frete, muito provavelmente vai ser a opção escolhida, independente do branding. A gente não está preocupado se está comprando no Magalu ou nas Casas Bahia, a gente quer saber onde é que está mais barato e quanto tempo vai demorar para esse celular chegar. Então uma empresa oferecendo um preço legal, com uma entrega rápida e um frete barato (ou de graça), provavelmente vai abocanhar a maior parte dessas vendas de forma orgânica. Nos EUA e na China, por exemplo, não existe essa questão de buscar melhor preço, normalmente as pessoas vão direto na Amazon e compra lá mesmo. O que é que acaba acontecendo é que o custo de aquisição de clientes, o CAC, tem aumentado numa proporção muito grande nos últimos 2 anos. Com as sanções que os sistemas de Ads estão sofrendo e com a redução da coleta de dados, o fator tempo começou a ser prejudicado. Existem várias iniciativas de leis para proibir, por exemplo, apps que escutam o que você está falando, essa série de sanções têm tirado informações dos algoritmos, tornado o CAC muito maior, a campanha demora muito mais para performar e, quanto ela performa, o custo do CPC ou do CPM aumentam drasticamente, consequentemente o ROI da operação não está fechando mais e isso tem se intensificado nos últimos 2 anos.
O varejo surfou a pandemia: todo mundo em casa, aumento considerável do consumo. Agora o consumo está em queda, começou já tem um tempo, essa queda no consumo torna o CAC ainda maior e aí a gente começa a ver outras métricas entrando na relevância dessas campanhas de marketing, que é o público interno. Na minha visão, esse é o X da questão entre empresas como a Amazon e as varejistas brasileiras. O pilar central da Amazon é a recorrência e o tratamento com o seu cliente, o service, o programa de fidelidade, o frete. As empresas brasileiras tentam copiar, de certa forma, mas elas não têm tanta experiência de lidar com esse tipo de modelo de queima de caixa para manter a fidelidade do cliente. A Amazon tem uma grande fatia de mercado lá nos EUA: mais de 82% das famílias americanas utilizam o serviço de clube de vantagens do Amazon Prime. Essa é uma coisa improvável de se ver aqui por várias questões, principalmente de entrega, o Brasil tem um problema logístico muito grande. Os e-commerces precisam, de fato, começar a trabalhar o tratamento que eles têm com os seus clientes. Eu conheço e trabalhei com todos os e-commerces, e eu brinco que o setor de marketing desses e-commerces sempre foi um setor que não tinha necessidade de existir, era basicamente rodar a campanha, colocar dinheiro lá e acabou, não precisava fazer nenhum tipo de trabalho excepcional. Até agora…
O marketing tem uma carência de profissionais bons gigantesca, vou falar que em mais de 90% dos varejistas brasileiros que eu conheço, o setor de marketing é muito ruim, não tem profissionais que não sabem ver o Google Analytics, quem dirá um sistema mais aprofundado de CRM ou uma análise de BI, é tudo muito generalista. Até então tava tudo ótimo porque você não precisava saber muita coisa, era só fazer o feijão com arroz que as coisas davam certo. Com novas métricas sendo trazidas à tona, que precisam de uma análise mais complexa, por exemplo, como é que é a sua retenção, como é que é a sua recorrência dentro do e-commerce, eu percebo, mesmo não tendo acesso a informações internas, que as varejistas estão passando por um problema sério, porque sempre se pensou em aquisição, mas nunca se pensou em retenção, os serviços prestados na pós-venda dessas lojas são de péssima qualidade. Os sites são bonitos, performáticos, são atrativos até o momento da sua compra, mas depois que você compra, começa o pesadelo, principalmente se você tiver algum tipo de problemas. Um fator que me leva a crer que esse problema se acentuou é justamente acompanhar como é que está o “desempenho” dessas lojas no Reclame Aqui, como estão as reclamações. Por mais que os varejistas tenham investido em atendimento, sempre que eu tive algum tipo de problema, eu fui muito mal atendido, eu tive problemas pare receber o meu dinheiro. Totalmente diferente, por exemplo, de quando você tem um problema no MercadoLivre, que tende a ter um atendimento muito superior a qualquer um dos e-commerces brasileiros. No geral, o que é que acaba acontecendo quando se tem um pós-venda muito ruim e um marketing muito ruim, é um problema em conseguir fazer a roda girar, fazer aquisição de recorrência está ficando muito caro e a liquidez desses investimentos tem secado. Precisa ser feito um trabalho internamente nesses e-commerces para conseguir gerar valor na base atual de usuários e as equipes de marketing estão sofrendo para conseguir entender esse mecanismo. A quantidade de emails que eu tenho recebido nos últimos meses tentando mandar propaganda… A internet de uma forma geral está extremamente saturada desse tipo de ação de marketing. Eu mesmo, quando vejo uma loja me mandando propagando por email, eu só bloqueio. Pior ainda é quando eu não tenho cadastro no e-commerce, mas acabo recebendo propaganda porque o e-commerce A vendeu a base pro e-commerce B ou fizeram uma junção e começam a tentar impactar de forma generalista, sem o mínimo de inteligência.
Consumo precisa de muitas informações, porque ele tem time, se você não tem informação para dar para o usuário momento que ele precisa, você corre o risco de ficar injetando dinheiro em publicidade e isso não te retornar em vendas. Quem nunca recebeu propagando de um produto meses depois de já ter comprado? Às vezes você está conversando sobre comprar um microfone, aí você começa a ser bombardeado de propaganda daquele microfone. Você já comprou o microfone, mas continua recebendo uma porrada de propagandas de várias lojas diferentes daquele microfone. Isso são as lojas comprando aquisição de forma adoidada, sem ter o mínimo de inteligência. Esse era o marketing de e-commerce até 2 anos atrás, só que o cenário mudou, de forma que os investidores institucionais que estavam provendo liquidez para essas empresas cansaram de injetar dinheiro e ver resultados de trimestre cada vez piores. Os e-commerces insistem que têm estrutura sólida, planejamento de longo prazo, planejamento de distribuição em crédito, só que a brincadeira não é mais essa. A brincadeira é fidelizar, a brincadeira é conseguir usar as bases de dados uma forma muito mais tecnológica e muito mais inteligente do que simplesmente ficar empurrando goela a baixo em quantidade, para tentar fazer um ROI positivo. Essa métrica não funciona mais, o mercado não está mais funcionando desse jeito, as ferramentas para fazer aquisição ou faliram ou estão cobrando um absurdo. E eu não estou falando só do mercado de varejo, mas o mercado de games, de serviços, entre outros. A compra de Ads está se tornando impossível, se você está no começo da sua trajetória e está querendo fazer a aquisição dos primeiros clientes, até vale o teste, mas quando você já está consolidado com alguns milhões de usuários, é impossível fechar a conta da aquisição, está cada vez pior, cada vez mais caro, cada vez mais lento. Os e-commerces estão numa sinuca de bico, as ações varejistas caírem em média 80% na bolsa, tirando raríssimas exceções, que já tinham focado antes em serviços e recorrência. É o caso da Petz, por exemplo. A Petz é uma empresa que investiu em serviços e recorrência, então todo mês você pode pagar o clube assinatura e a ração chega na sua casa, já tem pré-agendado o serviço de banho e tosa do seu animal. Eles trabalharam em cima da base que eles já tinham, eles melhoraram a logística do negócio, tanto que tem Petz em tudo quanto é canto, abriram muitas lojas para ficar relativamente perto para você conseguir levar seu pet lá e conseguir fazer todos os serviços de veterinária e tudo mais.
Os e-commerces mais generalistas ficam focando em distribuição e crédito, e estão perdendo a linha ao ponto de falar assim “vem aqui, faz o nosso ‘carnezinho gostoso’, paga 3x o valor do produto, que a gente já pré-aprovou o seu crédito”. Esse não o caminho, no meu ponto de vista, para poder fazer essa chave virar. O cliente te odeia muito mais quando ele sabe que está sendo enganado. Um cidadão médio, que antes fazia o “carnezinho gostoso”, começa a entender o quanto que ele está se fudendo nessa operação e começa a ter raiva da empresa que está fornecendo esse serviço, a ponto de parar de consumir dentro dessa loja.
Esse foi um fenômeno dentro do período de pandemia que os e-commerces ainda não pararam para entender: o consumo de conteúdo financeiro aumentou, a exposição do cidadão médio a informações de como melhorar a saúde financeira, os “gurus financeiros”, como é o caso do Thiago Nigro e da Nathalia Arcuri, cresceram muito, o brasileiro começou a tentar se informar mais com relação a juros, crédito, então o “carnezinho” gostoso não desce mais na garganta de boa parte dos usuários. Mas diferente do que você deve imaginar, o e-commerce no Brasil não atinge a maioria dos cidadãos, a maior quantidade de vendas do varejo ainda acontece em meios físico, a venda de e-commerce acontece com pessoas que têm o ticket médio mais alto e tem acesso a cartão de crédito, o restante do Brasil basicamente vive de lojas e e-commerces regionais. Muito difícil você ver, por exemplo, o pessoal do nordeste comprar numa loja do sudeste, porque vai demorar 10, 15 dias para o produto chegar e, se tiver problema, vai ter que ficar esperando para conseguir receber o dinheiro de volta. Eles preferem comprar numa loja local, conhecida, e que, se der problema, vai ali e troca rapidinho, mesmo pagando um pouquinho a mais, do que fazer todo esse translado, até porque o frete pra norte e nordeste é um absurdo, por questões de ICMS e tudo mais.
Eu vou parar essa primeira parte aqui. No segundo post eu vou falar quais são os impactos de todas essas mudanças para o mercado de influenciadores, que é um mercado que eu tenho trabalhado atualmente. Quem me conhece, sabe que eu tenho relacionamento e sociedade com vários influenciadores, então eu tenho procurado soluções para eles, especialmente com relação aos Ads e aos mecanismos do YouTube. E aí a gente vai comentar um pouco sobre o impacto de todas essas mudanças para o mercado de influenciadores e como eu vejo os impactos que vão acabar acontecendo pro marketing digital de uma maneira geral nos próximos anos.
Vou deixar aqui o post onde falo de retargeting, e mais algumas sugestões relacionadas:
O conteúdo deste post foi baseado no vídeo “Se sua empresa vive de Ads a morte está próxima – Parte 1”: