O assunto de hoje pode parecer um pouco confuso na cabeça de quem ainda está aprendendo sobre os conceitos de criptos, que são as blockchains centralizadas e descentralizadas. Sim, existem blockchains centralizadas e eu vou explicar por que a gente precisa saber se o projeto em que nós estamos aplicando nossos esforços e investimentos de fato é descentralizado ou não. Este tema é super importante para quem está tentando entrar no mercado de cripto e não sabe como funciona uma blockchain, já que é comum achar que todas as blockchains são descentralizadas e essa tem sido uma manobra utilizada pro várias empresas para falar que estão criando sistemas Web3 utilizando blockchains, porém utilizando as versões centralizadas. Vou fazer um comparativo entre blockchains que estão entre as maiores e são muito utilizadas.
A primeira é a Ethereum, importante frisar, na versão que está rodando hoje [para quem não sabe, a rede está para mudar para sua versão 2.0, vou deixar o post onde eu explico sobre o “The Merge” para vocês lerem no final]. Hoje, a Ethereum possui um serviço de blockchain um pouco diferente do sistema do Bitcoin, pois a geração de blocos acontece de forma assíncrona, ou seja, vários blocos podem ser criados numa fila de processamento, processados de forma paralela e a consolidação dos dados acontece de forma desordenada. Isso quer dizer que a rede cuida de todo esse processo de organização dos blocos e cria esses blocos de forma sequencial, mas não respeita propriamente uma anterioridade. No caso de blockchains monolíticas, um bloco só é criado após a validação do bloco anterior ou respeitando um tempo pré-determinado, no caso do Bitcoin, a geração de blocos é fixa, a cada 10 minutos é gerado um novo bloco. Essa forma de esperar a consolidação dos dados antes de criar um novo bloco faz com que a rede tenha uma probabilidade mínima de sofrer um fork [quando dois blocos são consolidados simultaneamente em regiões distintas da rede e há um conflito sobre qual a ordem correta desses blocos]. Como a rede está descentralizada e tem várias pessoas minerando no mundo inteiro, esses dados precisam ser consolidados localmente em cada nó, e esse processo vai demorar naturalmente em média, segundo os cálculos do Satoshi Nakamoto, 10 minutos para alcançarem a rede inteira, por isso os blocos do Bitcoin são feitos a cada 10 minutos. Nós temos uma diferença bem clara com relação à estrutura da blockchain do Bitcoin, que é a que eu considero mais descentralizada, e a blockchain da Ethereum, que eu julgo ser parcialmente descentralizada. Na blockchain do Bitcoin normalmente quem valida o último bloco tem o direito de consolidá-lo na rede e gerar o próximo bloco, no caso do Ethereum, como os blocos são gerados de forma desordenada, a criação do bloco nem sempre respeita o último minerador que fez a validação e nós podemos ter forks de níveis superiores a 2, então a rede precisa ter mecanismos de reorganização de blocos, podendo até eliminar um bloco que foi gerado por fork dentro da rede. Deu pra entender até aqui?
Por outro lado, uma rede como a BNB, da Binance Smart Chain, é uma rede centralizada. A ideia da Binance foi pegar a tecnologia e a implementação da rede Ethereum e criar uma rede com os nodes validadores pertencendo a eles próprios. Nós não temos um sistema de mineração para BNB, quem valida as transações são nodes de stake da própria Binance, esse nós não recebem valores de mineração ou stake, é um sistema interno da empresa, então ela mesma recebe por fazer esse processamento. Na prática, quase não difere de um sistema bancário convencional. Se a gente pensar que eles têm o poder de gerar os blocos e validá-los, eles também têm a capacidade de pausar a rede e de fazer mudanças caso seja necessário. Esse tipo de blockchain centralizada apresenta uma série de riscos, tanto de segurança, de operação e de governança. Quem utiliza a rede BNB corre o risco de, por qualquer motivo, essa rede ser desligada e todos os registros que estão dentro dela simplesmente pararam de existir.
Outra “novidade” que começou a surgir foram as Blockchain as a Service (BaaS), onde você tem implementações de blockchain em serviços de DataCenters, como da Oracle e da Amazon, que te fornecem tecnologia de blockchains próprias ou implementações de blockchains de terceiros, onde você cria sua própria sidechain e eles provém a parte de infraestrutura. Eu tenho visto uma movimentação para esse tipo de serviços muito para órgãos governamentais que estão querendo entrar nesse mundo de blockchain, mas ainda querem manter 100% de controle e empresas de quem eles possam cobrar caso dê algum tipo de problema. Essas BaaS não são blockchains descentralizadas, não existem nós validadores, 100% da validação e da criação dos blocos são feitos internamente por máquinas dos DataCenters dessas empresas e o termo “descentralização” simplesmente não cabe nesse contexto. No meu ponto de vista, a gente precisa ficar muito atento a esse modismo de todo mundo falar que está entrando na Web3, que está tentando descentralizar as coisas, mas optando por fazer suas aplicações em sidechains centralizadas, em sistemas como o da BNB, e fazendo propaganda como se estivessem fazendo uma super inovação e descentralizando os serviços, mas isso não é verdade, eles ainda continuam tendo 100% do controle desse sistema.
Outro ponto que é super importante nessa discussão de centralização vs. descentralização, é sobre a questão de governança. Teoricamente no caso do Ethereum e de outras redes, como a Solana, existe um sistema de governança que normalmente consistem de Smart Contracts para votações anônimas, só que essas governanças “descentralizadas” têm um aspecto político complexo. No caso do Ethereum, nós temos a figura do Vitalik Buterin, que é o criador da rede e que ativamente desenvolve soluções e gera altas críticas a outros projetos, é uma figura política e ideológica, que tem seus conceitos e deixa suas opiniões muito claras e é tratado como um semideus dentro ecossistema do Ethereum. O que ele fala, a maior parte dos desenvolvedores segue. Isso, pra mim, fere diretamente o conceito de descentralização e acaba fazendo com que o Ethereum se torne um ecossistema ainda mais centralizado do que ele já é. E o Vitalik tem muito interesse que essa mudança do The Merge aconteça, ele é um dos caras que mais possuem Ethereum no mundo, então ele vai ter milhares de nodes validadores na rede. Por outro lado, parte dos analistas que eu venho conversando e vendo conteúdo, acham que essa hegemonia do Ethereum vai cair, e vai cair rápido e nos próximos 3 a 5 anos vai perder a marca de principal ecossistema de Smart Contracts. Já existem várias outras opções no mercado e tem muitas pessoas iguais a mim que pensam em segurança em primeiro lugar. Nós estamos falando em fazer um sistema descentralizado, seguro, e o Ethereum não está mais sendo uma opção viável e não é só pelos custos operacionais da rede, ou qualquer coisa do tipo, mas sim pelas mudanças que o Vitalik tem aprovado dentro da comunidade. Essas mudanças são mistas, no meu ponto de vista, algumas positivas, outras negativas, algumas tecnicamente complicadas, como é o caso das shards. Pense que, hoje, gerenciar uma infraestrutura de blockchain já é complicado, imagine gerenciar 1024 nós de rede diferentes que precisam ser consolidados dentro de uma rede principal. Isso é parte da proposta do Ethereum 2.0 e é justamente isso que vai acontecer com as shards, em vez de ser uma blockchain, vão ser 1024 “mini blockchains”, que vão realizar processos paralelos, e aí você reza para que o consenso consiga reordenar essa brincadeira ou vão ter que desligar tudo e fazer um hard fork ou utilizar outros tipos de métodos, que nem a Solana fez pra poder ser recuperar de um ataque.
Até hoje a gente não existe nenhum projeto de stake que tenha o mesmo grau de consolidação que tem o Bitcoin com o seu Proof of Work. O Bitcoin, desde a sua publicação, sempre se manteve íntegro, não lembro de ter lido nada com relação a ataques de hackers, ou da rede ter caído. A rede fica lenta, fica cara para fazer a transação, mas ela não cai, ela não precisa dar rollback, não existe isso dentro do Bitcoin. E é por isso que, no final das contas, o posicionamento do Satoshi Nakamoto de ter sumido faz total sentido para não criar uma centralização. Tecnicamente a gente pode considerar o Ethereum [hoje] descentralizado, as questões de governança são eletivas, precisa de votação e tudo mais, mas a figura do Vitalik Buterin torna-se um ponto de centralização, mesmo que parcialmente. Se a gente for olhar a história do Ethereum Classic mais a fundo, dá para perceber que a posição dele de dar rollback na rede não foi unânime, mas boa parte da comunidade se manteve na Ethereum. Uma coisa importante da gente entender, que é um parâmetro que eu analiso muito com relação a essas duas moedas em específico, é a questão da mineração, porque os mineradores são um bom termômetro para saber como está a saúde da rede. Quando eu entrei para a mineração em 2020, o valor pago pelo Ethereum tinha uma discrepância muito grande para o Ethereum Classis, na época, se pagava em torno de 7 a 8 dólares por 100MH/s [Megahash, essa é a medida de valores dentro da mineração], e a Ethereum Classic ficava na casa de 80 centavos de dólar até 1 e pouquinho. No último mês, a diferença está quase zero. Hoje talvez ainda valha a pena minerar Ethereum por valer um pouco mais que o Classic, mas eu acredito fortemente que isso vá mudar a partir do momento que ocorrer o The Merge para a versão 2.0, que opera em stake. Os mineradores que tem toda a infraestrutura de mineração no mundo vão migrar para alguma outra moeda e o Classic é uma escolha natural. O Ethereum Classic nasceu justamente por causa da galera que não concordou com o reset da rede na época do The Down e fundou essa moeda. Uma coisa que pode acontecer é que o Ethereum Classic venha a absorver algumas atualizações do Ethereum no ponto antes da migração pro 2.0. Já que eles compartilham da mesma fonte de código, é possível fazer essa mescla e o Ethereum CLassic assumir o que, hoje, é o Ethereum: os Smart Contracts e todo o ecossistema, mantendo justamente a parte de PoW. Em nenhum momentos eu ouvi falar que a comunidade do Ethereum Classic pense na possibilidade, por mais remota que seja, de virar PoS, eles mantêm o conceito originário da rede, da segurança do PoW, da descentralização. Eles vieram de um episódio de fork baseado na “desgovernança” do Vitalik e provavelmente devem ter cuidado dessa parte de governança, criando mecanismos para que não exista nenhum semideus dentro da comunidade do Ethereum Classic.
Tecnicamente falando, o Ethereum Classic se atualizar com as coisas novas que o Ethereum tem, mantendo o PoW, é um dos “caminhos possíveis mais possível”, que tem mais potencial de acontecer, é a mineração vir toda para o Ethereum Classic. A mineração vindo para o Ethereum Classic, aumenta a demanda, aumenta a quantidade de moedas em circulação e vai também aumentar as transações. As aplicações que procuram uma solução que tenha compatibilidade com o Ethereum para não precisarem reescrever os códigos de DIApps, reaproveitar os Smart Contracts e até ter um registro do que aconteceu no passado, provavelmente vão fazer essa migração naturalmente. Como a gente está falando da mesma base de código, da mesma infraestrutura e tudo mais, migrar a mineração do Ethereum pro Ethereum Classic é literalmente um apertar de botão, então a rede de mineração vai conseguir fazer essa mudança imediata. Com o valor das duas redes pagando praticamente a mesma coisa como está hoje, quem tomar essa posição antes vai começar a criar reservas da nova moeda antes da atualização. Eu já venho conversando isso com vários mineradores e com gente do mercado de cripto, para mim essa mudança do Ethereum 2.0 pode ser positiva ou pode ser muito negativa, a ponto da confiança da rede Ethereum ir a zero e alguma outra rede assumir o lugar dela. Quem vai assumir essa posição? Falam em Solana ou Polkadot, mas eu acho que elas ainda têm muita estrada pela frente pra conseguirem ter uma infraestrutura tão robusta. Quem eu acho que vai ser? Não sei.
Honestamente, pelo menos falando na parte de mineração, o Ethereum Classic. Enquanto isso eu, obviamente, vou minerar outra moedas também, esperando chegar o dia para saber quem vai tomar o posto do Ethereum na parte de PoW. De novo, acredito que a Ethereum Classic vá ser a bola da vez, porque compartilha do mesmo ecossistema da Ethereum, é a mesma base de código, tem praticamente o mesmo nome, o que ajuda o marketing a ser muito mais simples, mantendo o PoW, sem as “desgovernanças” do Vitalik Burterin, com Smart Contracts e muito fácil de fazer uma mescla com o código atual do Ethereum, por isso eu acredito que esse seja o caminho natural quando acontecer a mudança para o 2.0.
Eu sei que é um tema um tanto complexo, que mexe muito com as emoções da galera que acredita no PoS e no PoH, mas minha analise esta sendo fundamentada no meu entendimento técnico, não num entendimento de investimento, eu não faço investimento em cripto, eu minero cripto, eu crio aplicações para cripto, então eu estou levando em consideração as questões técnicas, não a politicagem e os interesses envolvidos nessas mudanças ou nessas arquiteturas.
O conteúdo deste post foi retirado do vídeo “Blockchains descentralizadas e centralizadas”: