Hoje eu vou falar por que eu considero que essa vai ser a pior BlackFriday de todos os tempos. Eu vou contextualizar e explicar por que eu tenho essa opinião. Eu vivia num ambiente em que as BlackFridays são importantes, trabalhei e fui sócio em um comparador de preços em 2013, em 2017 eu voltei com a minha empresa, o Vigia de Preço, que também fazia comparação de preços, e acabei vendo o impacto de várias BlackFridays dentro dessas empresas de perto.
Nos últimos 2 anos, o varejo de uma forma geral não sentiu tanto os impactos da pandemia. Com as pessoas mudando a forma habitual de trabalhar, gerou-se uma demanda por dispositivos eletrônicos, notebooks, monitores, cadeiras, mesas. Foi preciso mover uma quantidade enorme de pessoas dos escritórios, então elas acabaram tendo que fazer com que as casas ficassem mais aconchegantes, comprando produtos fora da média. Isso aconteceu em 2020 e 2021.
Outro fator que está nos impactando mais fortes agora, e se sente nos preço do supermercado, da gasolina e de várias outras coisas, é a inflação. O governo imprimiu muito dinheiro, injetou liquidez no mercado, e em algum momento isso ia ter um reflexo. Nós tivemos um aumento do consumo, enquanto a produção se manteve estável ou mesmo reduzida, principalmente de produtos eletro-eletrônicos, que dependem de chips, ou produtos produzidos na China, e houve desabastecimento.
Mais um ponto super importante dessa conta: Um container de exportação da China para Los Angeles custava, antes da pandemia, em torno de US$1200, hoje estão chegando a US$20000, quer dizer que trazer produtos da China ficou muito mais caro. O preço do container ficou mais caro, tem filas de navios para abastecimento, tudo está demorando mais. Muitas fábricas que produziam no Brasil, pararam a produção nacional, como é o caso da indústria de carros.
Junte todos esses fatores com um cenário macroeconômico altamente instável, guerra na Ucrânia, tensões em Taiwan, etc., e nós temos um fator que, no meu ponto de vista, é o ultimo pingo d’água nessa história: Os investidores institucionais saindo em massa de investimentos de risco. O reflexo disso, quem acompanha o blog já deve saber, é a queda das ações nas Bolsas de Valores, queda nas criptomoedas, queda em qualquer tipo de investimento de risco. Muitos investimentos estão indo para renda fixa, ouro, títulos de retorno rápido, um porto seguro, vamos dizer assim, pra esses investidores.
O que é que isso se reflete, na prática, no varejo? O varejo vive em uma corda bamba, principalmente quando a gente fala de e-commerce. Ele vive num cálculo muito restrito, de margem de lucro estreita, porque muitas das vezes as vendas são feitas a prazo, com um alto risco de inadimplência e a distância do recebimento muito grande. Com a inflação a 14%, na hora do e-commerce repor esse produto no estoque, ele já vai estar mais caro. Vários itens aumentaram bastante o preço, principalmente produtos eletrônicos.
Outro fator que leva à escassez de liquidez é que as ações de marketing dos varejistas precisam ser muito mais bem calculadas. Antes, o marketing tinha uma grande quantidade de dinheiro para injetar em de compra de Ads, de afiliados, de propagandas, lives, coisas que faziam parte de todo um ecossistema para trazer os usuários de volta. Os varejos brasileiros, numa grande maioria, não têm uma boa estrutura de LTV nem de recorrência, o consumidor não tem uma tradição muito forte de “adoção de marca” ou uma consistência de programas de fidelidade que faça com que a lealdade do usuário pertença a uma loja específica, diferente do que a gente vê nos EUA, que 80% das famílias americanas assinam a Amazon Prime.
Aqui no Brasil nós temos a cultura da comparação de preços, nós temos problemas logísticos enormes, que acabam fazendo lojas regionais terem um peso muito grande, e a gente tem a entrada de empresas estrangeiras, como AliExpress, Shopee e MercadoLivre, investindo muito dinheiro em entregar o produto cada vez mais rápido. Recentemente o MercadoLivre e a Gol fizeram parceria, empregando um avião para fazer logística aérea. O que dá para perceber é que essa disputa do varejo estreita cada vez mais as margens, principalmente quando a gente vê que a Amazon, por exemplo, e sua operação focada na destruição do mercado local para, depois de estabelecida, praticar o preço que quiser. Ela fez isso com as livrarias e está fazendo também com os multidepartamentos.
Juntando o cenário macro-econômico, a queda no consumo, a falta de investimento de risco, ações de varejistas caindo 80%, escassez de investimento, um aumento considerável no CAC de Ads, a falta de trabalho de CRM e BI dos varejistas para aumentar o LTV, o que eu sinto é que a gente vai ter uma BlackFriday morna, sem muito alvoroço. Muito provavelmente não terá grandes promoções. Se eu fosse esperar alguma coisa surpreendente, seria vindo de Amazon, Shopee e AliExpress, porque eles têm caixa para fazer promoções abaixo até mesmo do preço de custo do produto, para conseguir retenção e aquisição. A estratégia dessas grandes lojas internacionais é justamente essa: Encantar seus clientes com frete barato, atendimento bom, entrega muito rápida, e com preço baixo, porque o Brasil trabalha muito na base do preço. Então essas são as lojas que possivelmente terão boas promoções.
Agora, quando eu vejo Magalu, Via e B2W, eu não consigo ver um momento de mercado que permita essas lojas terem promoções atrativas o suficiente, nem um grande investimento de CAC para a BlackFriday desse ano. Sendo assim, por mais que sempre vá ter um alvoroço, ter uma grande quantidade de acessos, eu não acredito que o consumidor vai ver essa BlackFriday como ele tem visto nos últimos anos. Não tem muito caixa livre disponível na família brasileira pra poder entrar, talvez, num cartão de crédito em 12 vezes, muito menos num “carnêzinho gostoso”, que vai te cobrar 3 vezes o valor do produto.
Outro fator, também, que eu queria destacar, é o endividamento das famílias brasileiras, por causa de inflação, aumento dos preços e tudo mais. Boa parte das famílias brasileiras tem se endividado nos últimos 2 anos para conseguir manter o padrão de vida. Muita gente não vai ter limite de cartão de crédito e nem vai querer entrar num financiamento ou numa dívida para comprar um produto que não seja de extrema necessidade naquele momento, independente de ser BlackFriday ou não. A união de todos esses fatores macro e micro-econônicos, no meu ponto de vista, vai fazer com que a BlackFriday de 2022 seja a pior dos últimos tempos, com recorde de falta de produtos, falta de promoções e falta de consumo para gerar bons números.
Normalmente o quarto trimestre é muito esperado pelos varejistas para o fechamento anual, o resultado dele geralmente é maior do que os resultados do restante do ano. Muitas varejistas já vêm tendo resultados negativos acentuados nos últimos três trimestres e vão acabar tendo um resultado negativo também neste quarto. E a gente não sabe o que pode acontecer, as varejistas já estão numa situação que não tem muito mais para onde cair, já estão com uma queda acumulada muito alta.
Essa é a minha opinião, não fiz nenhum tipo de estudo muito técnico, mas por feeling, por estar há mais de 10 anos nessa brincadeira, eu acredito nisso, na possibilidade de tudo isso refletir negativamente na BlackFriday desse ano.
Eu já fiz vários posts aqui no blog em que falo sobre o cenário econômico atual e vou deixar alguns recomendados aqui:
O conteúdo deste post foi produzido a partido do vídeo “2022 terá a pior BlackFriday de todos os tempos”: