Hoje eu vou falar sobre BlackFriday.

Para quem não me conhece, eu vou contextualizar: os últimos dez anos da minha vida eu vivi a BlackFriday dentro de comparadores de preço, inclusive eu tinha um comparador de preços que foi vendido em 2021 para a empresa que é dona do Buscapé e do Zoom, então minha última BlackFriday dentro do próprio Buscapé. O título deste post é “a pior BlackFriday de todos os tempos” e na minha análise eu mostro motivos muitos sólidos para corroborar essa afirmativa.

O que a gente precisa entender sobre varejo no geral é que ele depende de um fluxo de caixa pujante, de uma economia que rodando a pleno vapor, para se manter. Vamos imaginar o seguinte cenário: quando a varejista vai comprar um produto, ela vai comprar de container de produtos. Se ela está fazendo a importação diretamente da China, por exemplo, porque boa parte das mercadorias vem de lá, ela tem que solicitar à fábrica pelo menos 30 a 60 dias, dependendo do produto, até 6 meses antes, por causa da grande demanda. Existe uma série de questões para conseguir fazer essa importação: precisa comprar o container, precisa de gente na China para acompanhar o processo, precisa declarar na Receita Federal, etc. Então, vamos colocar uma média de 45 dias de antecedência para pedir o produto, mas o dinheiro, em dólar, tem que estar disponibilizado na hora de fazer essa compra. Existe outro cenário que é essa varejista comprar de um distribuidor ou atacadista aqui no Brasil. Aí é um pouquinho mais ágil a questão de tempo, porque normalmente esses atacadistas têm estoque aqui no Brasil, só que quando você compra de um terceiro, vai pagar um valor a mais do que pagaria se estivesse comprando da China. Então, para produtos em grande quantidade, que tem o ticket médio alto, você vai pedir o container direto da China, e para produtos que tem uma rotatividade maior ou que você prefere não fazer todo esse processo de importação, você compra de um atacadista ou de uma distribuidora. O que eu quero dizer com tudo isso é que a empresa vai ter que disponibilizar, a vista, o preço do produto que ela está comprando. Se ela está comprando numa distribuidora, vai ter que pagar no boleto, se ela for comprar na China, vai ter que disponibilizar esse dinheiro em dólar, com pelo menos 30 dias de antecedência, podendo chegar a 6 meses. Aí, quando ela recebe esse produto aqui no Brasil, vai ter que armazenar esse estoque e botar a venda.

Só que o poder de compra aqui é muito baixo, o brasileiro basicamente vive de crédito. Quando você vai comprar um iPhone, que custa 10 mil Reais, uma parcela muito pequena da população que vai ter condições de pagar a vista, no PIX, a grande maioria vai parcelar em 12x. Dependendo, se for carnê, tem-se a opção de 24x. Quer dizer que o varejista vai demorar pelo menos 1 ano para receber por aquele produto, que ele compra a vista, com uma margenzinha de lucro. Durante o ano, a gente está sujeito a uma inflação que está pagando, dependendo da aplicação, em torno de 13% ao ano, isso significa que o nosso dinheiro está desvalorizando 13% ao ano. Alguns economistas até falam em uma inflação maior do que a que a gente está acompanhando, porque tem um imposto muito grande encima do consumo. O brasileiro já viu o aumento no preço da comida, da gasolina, do aluguel, tudo subiu de preço de uma forma desproporcional, em torno de 30 a 40%, então dizem que a inflação real é em torno de 40%. E não sou eu quem está falando isso, o Luiz Barsi, um dos maiores investidores da Bolsa, fala que essa inflação nominal que os economistas passam, que o Banco Central passa, é muito maior, chegando a 40%, só que a gente não sente isso diretamente, a gente sente no consumo, com o preço dos produtos aumentando e os salários estagnados.

Durante o período de pandemia, entre 2020 e 2021, a gente teve um crescimento do e-commerce, porque estava todo mundo em casa, então não tinha outra forma de consumir em sua grande maioria. Nesse período as pessoas tiveram que investir em montar escritórios para trabalhar em casa, trazer mais conforto, comprar um sofá novo, então teve uma alta bem grande nas vendas nos 2 anos que a gente ficou em lockdown, só que esse consumo deu eu recuada grande em 2022. Eu vou colocar uns gráficos aqui para vocês entenderem o tamanho dessa brincadeira. Aqui no Brasil nós temos 4 grandes e-commerces, e alguns um pouquinho menores, que fazem praticamente 90% das vendas do varejo brasileiro: Em primeiro lugar, MercadoLivre, ocupando mais de 50% do mercado, depois nós temos a B2W, que é dona das Americanas, Submarino e Shoptime, temos o Magazine Luiza, que, além da homônima, tem a Kabum!, a Netshoes, entre outros, e temos a Via Varejo, que agrega Casas Bahia, Ponto Frio e Extra, e, por fim, a Amazon.

MercadoLivre é uma empresa Argentina, então a cotação é na Bolsa Argentina, mas o que interessa aqui é que ele apresentou uma queda acumulada de 47% no último ano, chegando a períodos que caiu mais ainda mais. Então o maior varejista operando no Brasil está com uma queda de 47% no último ano.

Em seguida, a gente tem a B2W, que acumula 49% de queda no último ano.

Passamos ao Magazine Luiza, com um acumulado de 56% de queda, chegando a bater 80% há alguns meses.

Via Varejo tem uma queda acumulada de 51% no último ano.

E, por último, Amazon, que é uma empresa americana, então é listada na Bolsa dos EUA, com um acumulado de 53% de queda.

O que é que isso mostra? Primeiro que os investidores, que antes estavam apostando no crescimento dessas empresas, recuaram. Isso é normal, já que é muito melhor deixar o dinheiro numa renda fixa rendendo 13% ao ano do que injetar grana nessas ações que vem sofrendo muito. Então o capital de risco, que estava dando liquidez para essas empresas manterem suas operações saudáveis, deu uma recuada. Só que aqui, nesse caso específico, a Amazon é uma gigante varejista que praticamente domina o mercado americano, então ela tem muito dinheiro em caixa, o MercadoLivre é um gigante da América Latina, com muito dinheiro em caixa, e essas empresas fizeram um investimento gigantesco no Brasil para não depender do Sedex, dos Correios, o MercadoLivre tem até avião aqui no Brasil. Eles criaram vários mecanismos de distribuição para reduzir o custo de entrega, o MercadoLivre agora está entregando até em dia de domingo, ele consegue entregar nas comunidades, o sistema de logística deles é incomparável. Eu tenho um amigo que mora numa comunidade do Rio, ele contou que nenhuma empresa consegue entregar lá, só o MercadoLivre consegue. Como ele consegue, não sei!

Então Amazon e MercadoLivre não vão sofrer o impacto de caixa, principalmente porque o MercadoLivre não vende nada, ele não tem loja própria, diferente da Via Varejo, da B2W, do Magalu e da própria Amazon, que se dividem entre o 1P e o 3P (1P são produtos vendidos e entregues pela loja, que cuidam de estoque, logística, e tudo mais; 3P seriam os marketplaces). Aí a gente vai pro ponto do marketplace: Por que o MercadoLivre é muito superior às outras marcas? Faz um tempo que eu já não navego por esses territórios, mas até onde me lembro, o MercadoLivre cobra 16% de comissão em cima da venda e faz toda a parte de entrega, com uma logística super simples, o vendedor imprime uma etiqueta, leva o produto no correio e acabou, não precisa fazer mais nada. Nos outros marketplaces, B2W, Magalu, Via, chega a 30% o valor de comissão. E ainda tem outro porém: eu já tive feedbacks de várias empresas que anunciaram nesses marketplaces, que relataram que eles têm autonomia para poder, dinamicamente, mexer no preço do produto. Então no período de BlackFriday, que eles querem ter uma competitividade exacerbada com relação às outras lojas, eles podem baixar a margem, de forma que às vezes a loja fica no prejuízo por estar rodando naquele marketplace; não foi um, nem dois, nem três que me falaram isso, foram vários lojistas. Os lojistas de médio porte acabam tendo prejuízo, principalmente no período de BlackFriday, então essas lojas optaram por sair e manter sua operação apenas no Mercado Livre, principalmente lojas que entregam em locais mais distantes, fora do sudeste, isso faz com que o mix de produtos dessas varejistas caia.

Ainda entrou um fator novo nessa história a partir de 2 ou 3 anos atrás, que foi a chegada das lojas chinesas no mercado brasileiro. Primeiro a gente teve o AliExpress entrando no mercado, depois a Shopee, a SHEIN, e várias outras empresas, que têm uma logística excepcional, entregando em 15 dias produtos direto da China porta da sua casa. As varejistas brasileiras estão passando por um momento de queda no consumo e escassez de investimentos. O CAC, que é o custo de aquisição de novos usuários, aumentou brutalmente, essas lojas não estão acostumadas a trabalhar recorrência, elas trabalham a aquisição, o publico brasileiro não é apaixonado por marcas, diferente do americano, que tem o hábito de sempre consumir na mesma loja. O brasileiro sempre procura por preço, prazo e qualidade na entrega, velocidade de atendimento quando tem uma reclamação, e algumas dessas empresas têm deixado a desejar em vários aspectos, tanto com a demora da entrega, o preço do frete, o atendimento ao consumidor, e tudo mais.

E qual é a minha análise para a BlackFriday? O mix de produtos em promoção vai ser ínfimo e o desconto vai ser bem superficial, em cima de um produto que já está inflacionado. Quem repôs o estoque nos últimos 6 a 8 meses pegou preço de container alto, pegou uma crise de falta de chips, entre outros problemas, então o preço médio dos produtos aumentou bastante, principalmente produtos eletrônicos, celulares, notebooks, TV, e tal. Até mesmo linha branca, como geladeiras, hoje em dias têm uma série de circuitos eletrônicos que utilizam chips, e tudo que depende de uma grande quantidade de chips aumentou bastante o preço. Já o brasileiro, não está querendo assumir dívidas em longo prazo, o crédito não está tão fácil porque tem muita gente inadimplente, que gastou no cartão de crédito na pandemia para manter o padrão de vida com as coisas aumentando e se endividaram. As pessoas estão evitando fazer dívidas em longo prazo e têm gastado só com o essencial, que é comida, vestuário, aluguel, nada muito além disso. Pra mim essa não vai ser uma BlackFriday de venda de produtos de alto valor agregado, com ticket médio alto.

Mesmo as pessoas que possuem dinheiro para fazer esse tipo de compra têm analisado se não compensa pegar um avião e ir para Miami, onde dá para comprar mais barato e é mais rápido até do que se pedisse para ser entregue em casa. Isso realmente está acontecendo, das pessoas começarem a fazer a conta, principalmente depois que deu uma baixada no preço do dólar por esses dias. Eu mesmo já fiz essa conta, de pegar um avião para comprar algumas coisas que eu preciso em vez de importar. Por exemplo, o microfone que eu uso para gravar não vende no Brasil, quanto eu fui comprar, eu cogitei ir lá, comprar alguns outros eletrônicos no outlet, e saia mais em conta. Eu preferi não fazer essa opção porque ainda tem uma série de burocracias nos aviões, tem que usar máscara, é uma viagem de 12 horas, e tal, mas tem muita gente que faz. Como foi aumentada a quantidade de cota de importação, tem muita gente que vai pros EUA e traz produtos que são mais caros.

Todo esse resumo é para dizer o seguinte: o cenário para as varejistas não está bom e não tem previsão de melhora. São três trimestres dando prejuízo, e o quarto trimestre normalmente é o que traz uma “recuperação”. Vou entrar numa questão técnica de pagamento: normalmente, quando o consumidor faz uma compra, mesmo que seja em 12x, a empresa lança isso no balanço do mês como “dinheiro a receber”. Uma empresa de lucro presumido não faria isso porque teria que pagar imposto no mês subsequente, mas numa empresa de lucro real, ela lança tudo no mês para dar uma inflada nos números, para dar a sensação de resultado positivo, por mais que ela de fato não vá receber aquele dinheiro naquele mês. Perceba, quarto trimestre, BlackFriday e Natal, se ela joga todo o valor de venda que vai receber em 12 meses dentro desse faturamento do quarto trimestre, isso dá uma inflada nos números, os investidores acreditam que deu uma melhorada no cenário, que ela vendeu bem, mas, na real, esses números são dissolvidos ao longo de 12 meses. Se você não souber fazer essa análise, corre o risco de fazer investimento numa empresa de varejo e não ver o resultado, porque normalmente essas empresas dão prejuízo nos três primeiros trimestres do ano e dão lucro somente no quarto trimestre. Botam números super bonitos, mas que são fictício, e quando você vai ver de fato o balanço da empresa, vai ver que é dinheiro a receber, crédito a receber, não é dinheiro em caixa. Por isso que, pra mim, investimento em varejo não é uma boa opção, mas eu não sou investidor, eu não gosto de investir e não gosto de dar dicas, mas sempre estou fazendo uma análise do varejo. Mas quando você for ver o balanço, sempre olhe quanto de dinheiro a receber que essas empresas têm, porque normalmente não é dinheiro em caixa.

Se não tem dinheiro em caixa, ou tem pouco dinheiro em caixa, a empresa vai ter que conseguir crédito, ou vai ter que procurar investidor. Tem uma série de outros problemas pra manter o fluxo de caixa, porque essas empresas precisam de muito dinheiro, às vezes bilhões, todos os meses para comprar produtos e repor estoques. Nesse caso o MercadoLivre se destaca, porque ele não tem problema de estoque, as vendas são feitas em cima de produtos de terceiros. Então, no meu ponto de vista, é por isso que o MercadoLivre tem ocupado um espaço tão grande no varejo brasileiro, e a tendência é de aumentar esse número. O posicionamento da Amazon e dessas lojas chinesas também tendem a aumentar aqui no Brasil.

Dia 25 é a BlackFriday, depois a gente vai ver os resultados. Por mais que todas as empresas vão falar que tiveram lucro, quem tiver um olho mais analítico pode pegar o balanço, porque essas empresas têm capital aberto então são obrigadas a liberar o balanço do trimestre, e dar uma olhada lá nas linhas miúdas, para ver se realmente teve esse “boom” todo que eles vão falar, porque todo ano é assim, “a empresa teve lucro recorde”, “a melhor BlackFriday de todos os tempos”, porque, obviamente, ninguém quer falar que tomou prejuízo. Mas a gente vai ver pelas ofertas que vão aparecer como vai ser esse resultado.

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Eu já comentei sobre a situação atual do varejo brasileiro em outros posts:

Este post foi criado a partir do conteúdo do vídeo “A pior BlackFriday de todos os tempos”: